Como iremos?

Como iremos então juntos? Uma Igreja que quer fazer caminho em comunhão não pode partir para a caminhada a partir do medo da diversidade ou da realidade, sob pena de negar a sua origem e identidade.

Uma das frases de que mais gosto é a do provérbio africano que diz que se queres ir rápido, vai sozinho, se queres ir longe, vai acompanhado. Gosto muito deste provérbio porque fiz experiência pessoal da sua sabedoria. Houve alturas em que ir sozinha parecia heróico, indicador do meu valor e garantia de que a minha visão sobre as coisas prevalecia. E volta e meia ainda há! Mas felizmente tive várias experiências marcantes que me ajudaram a enraizar a certeza de que ir acompanhada é sempre mais rico e de que uma visão partilhada é sempre mais transformadora. Ir sozinha e mais rápido, em geral, não só tende a ser mais difícil como mais pobre. E às vezes dá mesmo asneira!

Nos últimos tempos dei por mim a pensar como esta frase reúne tantas das tensões que vivemos no momento presente da Igreja e do mundo. Irmos sozinhos, à partida, pode ser mais rápido. Se viajo sozinha escolho eu o roteiro e vou. Se viajo acompanhada, discuto o roteiro com alguém, é provável que haja acertos mesmo que haja muita sintonia, e vamos. Se vou sozinha ocupo-me apenas do meu ritmo, se vou com alguém e quero ir ao seu lado tenho de conhecer e respeitar o seu ritmo. Logo aí há um primeiro desafio individual que é o de cuidarmos o nosso ritmo para que não aconteça como aquela história de alguém que teve de esperar que o seu corpo apanhasse a sua alma! E depois há o desafio de viver em relação com os outros e de sermos capazes de acolher ritmos diferentes, e não só, e de ainda assim fazermos caminho juntos.

Na Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual – Evangelii Gaudium – o Papa Francisco propõe quatro princípios para o diálogo com a realidade, entre eles o de que o tempo é superior ao espaço. Este princípio põe a tónica no trabalho com visão de longo prazo, sem obsessão pelo imediatismo de resultados ou pela ocupação de espaços, mas dando prioridade a que se iniciem processos que envolvem as pessoas e que acolhem o dinamismo da realidade. Este é, para mim, o princípio de quem quer ir longe. Vivemos num mundo em que o paradigma não é este. Vivemos o primado da eficiência, dos resultados, da competição, do sucesso numa dinâmica que vai desde a forma como nos relacionamos conosco e com os outros, à economia. A eficiência é boa, os resultados importantes e até a competição pode ser saudável, mas considerar que o espaço é superior ao tempo pode promover decisões precipitadas, desencarnadas até, e caminhos individualistas que deixam pessoas na berma.

Vivemos num mundo em que o paradigma não é este. Vivemos o primado da eficiência, dos resultados, da competição, do sucesso numa dinâmica que vai desde a forma como nos relacionamos conosco e com os outros, à economia. A eficiência é boa, os resultados importantes e até a competição pode ser saudável, mas considerar que o espaço é superior ao tempo pode promover decisões precipitadas, desencarnadas até, e caminhos individualistas que deixam pessoas na berma.

Passaram três meses desde que Portugal organizou e acolheu a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e terminou recentemente a XVI Assembleia geral do Sínodo dos Bispos em Roma. O imediatismo e o foco no espaço podem levar-nos a perguntar, de dentro e de fora da Igreja, mas afinal o que vai mudar com a Jornada e com a Assembleia de Roma? Qual foi o lucro destes dois encontros? Mas talvez essas perguntas não sejam as mais interessantes porque não são as que propõem mais horizonte. Creio que o ir longe do provérbio não tem que ver só com distância percorrida nem com conciliação de ritmos, mas com profundidade e com alcance. Tem que ver com tempo. Assim, talvez interesse mais perguntar que processos podemos iniciar a partir destes dois momentos fortes? E como queremos ir como Igreja? Sozinhos ou acompanhados? E rápido ou longe?

Irmos mais longe como Igreja é irmos juntos. É o todos de que falava Jesus quando anunciou o Evangelho e que lembrou o Papa Francisco em Lisboa. Não é um slogan, não é um pensamento bem-intencionado ou revolucionário, nem é por si um plano de ação. Talvez desejássemos que fosse tudo isso! Que fosse simples e rápido, imediato e eficiente. Mas não é. Seguirmos Jesus, sermos a Igreja de Jesus é uma permanente dança entre as nossas lógicas e as lógicas de Deus. O Evangelho é uma proposta de caminho, que desafia a que nos ponhamos em marcha, com garantia da Graça e de Companhia.

Seguirmos Jesus, sermos a Igreja de Jesus é uma permanente dança entre as nossas lógicas e as lógicas de Deus. O Evangelho é uma proposta de caminho, que desafia a que nos ponhamos em marcha, com garantia da Graça e de Companhia.

Como iremos então juntos? Uma Igreja que quer fazer caminho em comunhão não pode partir para a caminhada a partir do medo da diversidade ou da realidade, sob pena de negar a sua origem e identidade. O nosso grande tesouro é que, pela graça de Deus e unidos na mesma Verdade, somos realidade possível em tantos cantos do mundo e por isso somos para todos. Em vez de alinharmos nas narrativas polarizadas do mundo em que vivemos, falando uma linguagem que nos reduz a conservadores ou progressistas ou anti-isto ou pro-aquilo ou aquele, procuremos valorizar a diversidade de carismas e de sensibilidades e acolher a realidade como um poliedro. E não nos deixemos perder energia em atalhos onde a prioridade é resolver tensões para ver quem vence ou afirmar diferenças para fazer com que outros percam. Faz falta diálogo dentro da casa Igreja e na casa mundo. E faz falta um diálogo que não tenha como objetivo ver quem tem razão, mas sim para nos compreendermos. Quais são as razões para pensares como pensas, sentires como sentes e agires como ages? A velocidade do mundo digital tornou mais difícil ouvirmo-nos e tantas vezes ouvimos para a seguir respondermos. Faz falta ouvirmos o outro ativamente e com empatia. Se eu baixar o volume do meu rádio interno e sintonizar com a frequência do outro a partir do coração e não só do intelecto, o que oiço?

Faz falta diálogo dentro da casa Igreja e na casa mundo. E faz falta um diálogo que não tenha como objetivo ver quem tem razão, mas sim para nos compreendermos.

O foco em ir rápido faz-nos tantas vezes desrespeitar os nossos ritmos e os dos outros, leva-nos tantas vezes a perder o sabor da viagem e torna-nos viciados em respostas. Mas a mudança de tempo que estamos a viver, se por um lado pede algumas respostas urgentes, por outro pede novas e boas perguntas. Perguntas que demoram a ser formuladas, que revemos até perceber se trazem algo de novo. As perguntas permitem iniciar processos e em última análise permitem que continuemos a caminhar juntos. Se pergunto, abro-me à riqueza do outro, se afirmo tento determinar o que o outro é. Ao chegar o conflito, na primeira lógica persisto e posso até caminhar ao lado de alguém com uma visão diferente da minha. Na segunda lógica reduzo o outro à questão sobre a qual divergimos.

Vivemos dias em que de facto muita gente quer ir sozinha com a sua visão e rápido como se isso fosse uma espécie de vitória. Talvez por isso se tomem decisões a pensar apenas numa dimensão da realidade, seja a ocupação ou a defesa de espaços, seja a escolha de lados. E por isso uma Igreja que descasca em conjunto o fruto das colheitas e que caminha em conjunto, mesmo frágil e com tensões, é sinal para o mundo. É esse o espírito sinodal a que somos chamados. Estamos e está tudo interligado e por isso os caminhos que hoje parecem quase impossíveis, como a paz, só serão uma possibilidade se caminharmos juntos, com tudo o que isso implica e oferece. Voltemos ao tema da Jornada Mundial da Juventude. Maria levantou-se e partiu apressadamente, mas não para estar sozinha e nem para ir mais rápido. Neste gesto Maria oferece-nos uma pista essencial: a nossa vida irá sempre mais longe se escolhermos a aventura de caminhar com Deus ao encontro dos outros.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.