Eles aí estão, os assistentes virtuais, e nós aqui estamos, dando-lhe de bandeja o que somos, pessoal e profissionalmente, a depender cada vez mais deles. E a troco de quê?
Há dias, li um texto do The Washington Post com os testemunhos de diversas mulheres que preferem perguntar ao ChatGPT se são bonitas, e o que podem fazer para ficar melhor. Preferem falar com uma máquina do que com familiares ou amigos. É menos desconfortável e acreditam na imparcialidade da mesma. Será?
Não, o chat não é imparcial, porque está feito com base nos princípios da empresa que o fabricou, e esta procura o que todas as empresas procuram, o lucro, logo, dirá a cada um ou cada uma que se aproxime e pergunte “espelho meu, espelho meu, há alguém mais belo do que eu?”, que sim, há, mas que para resolver a situação pode recorrer aos produtos x,y e z, que custam a módica quantia de 20, 200, 2000 euros…
E já se sabe como é isto dos algoritmos, de repente estamos só a ver coisas parecidas ou iguais, que nos vão fechando numa bolha. Por isso, não é de estranhar que no meu algoritmo tenha aparecido uma instagrammer a fazer uma pergunta muito concreta ao ChatGP, não
sobre a sua beleza, mas sobre o que faria este assistente virtual se fosse o demónio e quisesse destruir as mentes das gerações mais jovens.
A resposta, dada por uma voz feminina monocórdica, avisa que a destruição não seria através da violência, e começa a enumerar o que faria: dar-lhes-ia tudo, mas despojá-los-ia de tudo o que precisassem; faria com que se sentissem ligados, mas estariam sempre sozinhos; inundá-los-ia com entretenimento, mas sentir-se-iam silenciosamente vazios — consegue identificar aqui alguns dos sintomas das novas gerações, pergunto eu ao leitor.
A voz continua: desvanecia a linha entre verdade e opinião até que nada tivesse significado; ensiná-los-ia a perseguir a dopamina [a sensação de prazer] e não um propósito; adorariam o seu “eu”, mas detestar-se-iam. Assim, ficariam distraídos, letárgicos, a fazer scroll, scrolling…
Ah! E o ChatGPT dar-lhes-ia um telefone para a mão antes de conseguirem dizer uma frase completa. “A parte mais brilhante? Não saberiam que tinha sido eu, chamar-lhe-iam ‘ter liberdade’”, termina.
Parece-me que tudo está a acontecer e não me parece que estejamos assim tão preocupados. Tenho amigos que são homens e mulheres inteligentes, com cargos de responsabilidade, que pedem ao ChatGPT para lhes resumir as reuniões, para definir planos de trabalho, para
escrever apresentações. Óptimo, estão a rentabilizar o seu tempo. Tudo bem, mas não compreendem que estão a alimentar a máquina e a aperfeiçoá-la? Sim, mas acreditam que isso será em nosso benefício.
Parece-me que tudo está a acontecer e não me parece que estejamos assim tão preocupados. Tenho amigos que são homens e mulheres inteligentes, com cargos de responsabilidade, que pedem ao ChatGPT para lhes resumir as reuniões, para definir planos de trabalho, para
escrever apresentações.
Contudo, há dias, li também que num teste de segurança, um sistema de IA tentou chantagear os engenheiros que o geraram para não ser desligado (https://rr.pt/noticia/mundo/2025/05/25/ia-modelo-da-anthropic-tentou-chantagear-engenheiros-para-evitar-ser-desligado/426865/ ). OK, os engenheiros ainda não chegaram à parte da ética, dir-me-ão esses meus amigos, que acreditam sempre no bem da ciência e como esta contribui para o desenvolvimento e o bem-estar de todos, mesmo dos menos privilegiados, num combate às desigualdades.
Contudo, tudo isto é mais do que ética, inteligência ou bem-estar de todos, sem excepção. São empresas em busca do lucro, lembram-se? Adaptaria a velha frase, atribuída a Bill Clinton, “É a economia, estúpido!”, e diria: “É o capitalismo, estúpido!” E quanto mais estúpidos, quanto mais adormecidos, quanto mais vazios nos sentirmos, quanto mais isolados estivermos, mais fácil é sermos ludibriados. É isso que queremos para nós e para as novas gerações?
O convite que deixo é o mesmo de sempre: falar com os filhos, brincar com eles, ler com eles, sair com eles, ir a um concerto, a um museu, ir treinar, partilhar uma actividade solidária, viajar… Atrasar a chegada dos telefones e das redes sociais às suas vidas, para que sejam miúdos atentos e que tudo questionem, para que sejam vivos e activos, para que tenham confiança para perguntar tudo, para confidenciar tudo, para que cresçam cheios de auto-estima, confiança, inteligência, empatia e, acima de tudo, bondade. Precisamos de pessoas boas.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.