Camões e os primórdios do romantismo português

O tema da exposição “Épico e Trágico, Camões e os Românticos” insere-se essencialmente no período de transição para o Romantismo português, durante o qual se começou a sentir um crescente fervor pela celebração da nacionalidade.

Como tem sido frequentemente anunciado, em 2024 comemoram-se os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, um dos mais importantes poetas nacionais, autor de Os Lusíadas, a maior obra épica portuguesa. Uma das várias iniciativas postas em prática para comemorar esta data tem lugar no Museu Nacional de Arte Antiga, de 12 de Julho a 29 de Setembro.

O tema da exposição “Épico e Trágico, Camões e os Românticos” insere-se essencialmente no período de transição para o Romantismo português, durante o qual se começou a sentir um crescente fervor pela celebração da nacionalidade, que procurava contrastar com a instabilidade política suscitada pelas Invasões Francesas e os consequentes absentismo régio e domínio britânico.

O Iluminismo, uma corrente ideológica que defendia a razão como única fonte legítima de sabedoria e soberania, impôs-se durante o século XVIII e deu lugar a eventos como a Independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Revolução Francesa (1789-1799). Ao dispensar a Igreja como meio para Deus, descartou também a crença de que o poder régio era por Ele concedido, levando assim a um enfraquecimento do poder absoluto do monarca e a um empoderamento da burguesia. Em Portugal, esta tendência levou a revoltas como a Vilafrancada (1823) e a Abrilada (1824), que antecederam à Guerra Civil de 1828-1834.

Em geral, esta época conduziu duplamente os portugueses a um sentimento de nacionalismo, pois nela tanto tiveram lugar episódios que inspiraram pelo seu patriotismo, como episódios que suscitaram um desejo de oposição à imagem fragilizada que o país estava a transmitir.

Este clima manifestou-se no meio artístico através da Pintura, da Escultura, da Tipografia, da Música e de outro tipo de expressões. A figura de Camões ressurge como símbolo magistral da portugalidade, por ter sido o autor do grande poema da exaltação dos feitos históricos portugueses, que, através de uma perspectiva mítica, relata a descoberta do caminho marítimo para a Índia, pela armada de D. Vasco da Gama. Deste modo, procurando exumar a era áurea de Portugal e assim criticar o regime do século XVIII/XIX e a consequente decadência nacional, emergem várias obras como a requintada edição ilustrada de Os Lusíadas (1817), por iniciativa de D. José Maria de Sousa Botelho, morgado de Mateus, o Requiem à Memória de Luís de Camões (1817), de João Domingos Bomtempo, a (desaparecida) pintura “A Morte de Camões” (1824), de Domingos Sequeira ou o poema Camões (1825), de Almeida Garrett, que se tornou o marco do início do Romantismo português.

Na exposição “Épico e Trágico, Camões e os Românticos”, exibem-se algumas obras nascidas neste contexto, destacando-se os esboços a óleo realizados pelo prestigiado pintor Francisco Vieira Portuense, com a intenção de virem a ilustrar uma grandiosa edição de Os Lusíadas prévia à do Morgado de Mateus (o que nunca se realizou) e talvez de se concretizarem em telas maiores, como veio a acontecer com a Súplica de Inês de Castro, que ilustra o Canto III.

Esta pequena e bem-sucedida exposição, patente na Sala do Tecto Pintado do Museu Nacional de Arte Antiga, relembra-nos, através da exploração da figura e da obra de Luís Vaz de Camões, o que foram os primórdios do Romantismo português e de como a intenção de recuperar a glória da pátria era o verdadeiro propósito por detrás da generalidade da produção artística da época, face à nítida vulnerabilidade pela qual atravessava a “ocidental praia lusitana”.

 

Créditos da litografia:

[[File:Camões lendo os Lusíadas a D. Sebastião.jpg|Camões_lendo_os_Lusíadas_a_D._Sebastião]]

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