Em maio, milhares de pessoas vão a pé para Fátima. Este ano éramos mais do que nunca, penso que terei visto mais grupos do que em qualquer dos anos, desde 1997, quando fiz esta peregrinação pela primeira vez. O que não tem nada de estranho, uma vez que esta é a Terra de Santa Maria e que, enquanto houver portugueses, Nossa Senhora será o nosso amor.
Já houve um tempo em que dizer, no escritório, que ia a pé a Fátima, provocava silêncio. Como se fosse esquisito, como se esperassem de uma pessoa que vai a Fátima a pé algo muito diferente do que os seus mundos comportavam. Uns anos depois, sobretudo a partir do Jubileu do ano 2000, comecei a ouvir “a minha avó também já foi”, ou mesmo “a minha mulher diz que também quer ir”. Depois já perguntavam como tinha sido e ouviam a resposta com atenção. Davam asas à curiosidade, faziam perguntas, quase sempre relacionadas com a parte física, como é que se aguenta, se há dores, bolhas, etc. E eu tentava sempre surpreender com qualquer coisa sobre o Deus de amor que Se mostra naqueles caminhos.
É difícil por em palavras
O grupo em que vou a pé demora seis dias até chegar. Partimos de Sacavém no dia 7 de maio, por volta das 8h30 e chegamos ao Santuário no dia 12 ao fim da tarde. Vamos andando e rezando, parando, descansando e ouvindo os padres que, graças a Deus, nos acompanham, conforme as suas vidas lhes permitem. Calhou-nos começar no mesmo dia em que também começou o Conclave, o que nos deu um sentido de pertença à Igreja muito forte. Estávamos a ir para a missa, na Azambuja, quando saiu o fumo branco e soubemos quem era o nosso novo Papa em plena Eucaristia. Ele há coisas…
Ouvir o silêncio
Nesta peregrinação, há partes do caminho em que vamos em silêncio e raramente alguém o quebra. Não é justo estragar o silêncio dos outros, como não vem nada a propósito ir a pé a Fátima sem aproveitar cada oportunidade para ouvir o nosso Deus. Que nos fala ao coração e pela voz de outros, como em qualquer altura do ano, mas nestes dias parece que conseguimos ouvir melhor. Também conversamos e nos divertimos muito, mas o que mais fazemos é rezar. São muitos terços que, como dizia a Tia Gena (que nos “levou” durante mais de 30 anos) Nossa Senhora precisa. “Nossa Senhora está a contar com as nossas orações”, dizia muitas vezes. “Rezem a cada passo e não se distraiam, não percam pitada do que se vai passar. É impressionante o que o Espírito Santo pode fazer quando nos pomos a jeito”. E, mais de 10 anos depois de ela ter ido para o Céu, esta peregrinação continua a acontecer, sempre com uma vitalidade enorme. “Isto não é nosso”, lembrava-nos. E garantia que Nossa Senhora é que fazia tudo (sem esquecer o “pormo-nos a jeito”).
Rezar o terço
Há pouco mais de 100 anos, Nossa Senhora veio a Fátima, falou em português e foi muito clara. Era preciso que nos convertêssemos, que deixássemos de ofender a Deus e que rezássemos o terço todos os dias para que a guerra acabasse. A mensagem é, como todos sabemos, de oração, conversão e penitência. Muitos seguem-na mas, da maneira como o mundo está hoje, parece que não é suficiente. Fazem falta os terços que não são rezados. Faz-nos falta parar diariamente e meditar, ou pelo menos recordar, os mistérios da vida de Cristo. Faz-nos falta este apoio em que podemos desabafar, pedir e agradecer. Somos de Deus, fazem-nos falta estes encontros, por mais distraídos que possamos ser às vezes. Faz-nos falta — a nós e ao mundo – que nos viremos para Ele.
Fazem falta os terços que não são rezados. Faz-nos falta parar diariamente e meditar, ou pelo menos recordar, os mistérios da vida de Cristo. Faz-nos falta este apoio em que podemos desabafar, pedir e agradecer.
Acreditar sem medo
Pode não ser fácil acreditar que uma coisa tão simples como rezar o terço todos os dias possa assegurar a paz no mundo. Mas foi Nossa Senhora quem disse e, por isso, é verdade de certeza, podemos acreditar sem medo. E podemos tentar, também sem medo, porque a nossa reza diária do terço é uma conquista que Ela faz em nós.
Tentemos já hoje, é fácil. Um Pai Nosso, dez Avé Marias, as jaculatórias e, no fim, mais três Avé Marias antes da Salvé Rainha, que é para não acabarmos assim de repente. São 20 minutos de um dia com 24 horas e quando penso nisso lembro-me sempre de uma irmã que disse a alguém: “mas não tem tempo para almoçar todos os dias? Então reze o terço à hora de almoço e garanto que vai arranjar tempo para almoçar.”
Fazer o que ela quer
Todos queremos que Nossa Senhora faça o que queremos, mas por vezes esquecemo-nos de fazer o que Ela quer. Os portugueses são marianos. É quase constitutivo, para exagerar só um bocadinho. É a Mãe que Jesus nos deu, é a mulher perfeita que Deus tem como filha predileta, é a cheia do Espírito Santo, que sempre foi livre mas nunca estragou a Graça de Deus em si. Acreditar nela é seguro. Fazer o que Ela nos pede, ou sugere, é uma fonte enorme de alegria, a alegria que todos buscamos e queremos encontrar. Caminhos há muitos, mas pela mão de Nossa Senhora o destino é sempre o melhor. Ainda bem que enquanto houver portugueses, Ela será o seu amor.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.