As pessoas levam a função de pais muito a sério. Perdemos muito tempo a falar do assunto, a pensar na quantidade de borradas que fazemos e a achar que temos uma importância desmesurada na vida dos nossos filhos; que ser pai é uma questão de vida e de morte e que a vida deles depende de nós. Pois esta é uma consideração elevadíssima da nossa condição e é manifestamente exagerada, é o que vos digo. Vejam o caso dos controladores aéreos, por exemplo. Esses homens e mulheres levantam-se todos os dias para trabalhar sabendo que podem despenhar aviões e matar centenas de pessoas no caso de se distraírem com o Instagram. Nós não: nós levantamo-nos da cama para os acordar, mandá-los para a escola e obrigá-los a lavar os dentes e voltamos ao Instagram sossegadamente sem colocar em risco uma única vida. E se adormecermos, ninguém morre. Com os militares ou com os cirurgiões acontece a mesma coisa. “Querida, hoje salvei 4 vidas. O que é o jantar, estou morto de fome”.
Ser pai não tem esta relevância, os filhos são à prova de pais, e isso está muito bem pensado. No limite, podemos estragar o seu crescimento, condicionar as suas escolhas, enchê-los de açúcar, dar-lhes cabo do juízo e da paciência, mas pouco mais. Por mais que nos esforcemos, eles têm defesas infalíveis, uma proteção divina que reduz drasticamente a nossa significância. Na verdade eles ligam pouco ao que lhes dizemos e preferem a versão dos amigos sobre os cuidados a ter com o álcool, com os cigarros ou com as redes sociais. Com os cuidados em geral, vá. A nossa influência é apenas humana e imperfeita.
Na verdade eles ligam pouco ao que lhes dizemos e preferem a versão dos amigos sobre os cuidados a ter com o álcool, com os cigarros ou com as redes sociais. Com os cuidados em geral, vá. A nossa influência é apenas humana e imperfeita.
Está na moda dramatizar esta condição de pais. É um tema pesado, denso, teórico, complexo. Achamos que por haver o risco de sermos maus pais não devemos ser pais. Pior, achamos que existe o conceito de bom pai, boa mãe. Caros, não há tal coisa. O único Pai irrepreensível é Deus, a nossa vocação é um pouco mais modesta. Deus confia e concede-nos livre arbítrio, nós só confiamos quando eles estão a dormir e o livre arbítrio é para pais vegan e para o VAR; Deus não perde a cabeça nem nos manda para o inferno, nós entramos em histeria com um armário de roupa desarrumado e se pudéssemos mandávamos os miúdos para o Inferno sempre que nos reviram os olhos; Deus perdoa 70×7 vezes, nós não sabemos fazer a conta e preferimos pô-los de castigo e proibi-los de sair; Deus ri-se dos nossos medos infundados, inseguranças, crises existenciais e convida-nos a falar com Ele para ordenar emoções, nós contratamos psicólogos; Deus não tem suficiente literatura publicada digna de registo sobre a vida sexual dos seres humanos, nós vivemos obcecados com os amores, desamores, crises e desenvolvimento sexual dos nossos filhos, (somos um bocadinho maníacos com este tema). Perdemos tempo demais com tudo isto e não vivemos a vida de pais. Somos uns chatos, um filme norueguês dos anos 80 com dez diálogos.
Ser pai ou mãe não é muita coisa, é menos importante do que pensamos ou essa missão não nos seria confiada. No fundo, é deixar andar a vida deles e viver a nossa da forma mais íntegra que conseguirmos. Ter seguro de saúde, jantar à mesa, sair de vez em quando, obedecer ao pediatra, bloquear canais e controlar as redes sociais, obrigá-los a estudar, convidar os amigos deles e coisas desse tipo. É quase funcional. O que custa mais é termos de dar bons exemplos. Eles são autênticos macaquinhos de imitação e é preciso evitar, na medida do possível, as parvoíces que fazemos para evitarmos réplicas.
Levar demasiado a sério a condição de pais é equiparar esta função à de um estudioso de literatura grega: é interessante mas sem graça. E ser pai tem de ter graça. Os filhos, antes de tudo, são portadores de alegria, são carregamentos ilimitados de felicidade que vão despejando aos poucos nas nossas vidas. E tudo neles tem graça. Só aqueles primeiros passos em que eles vão de cara ao chão e parecem bêbados, são uma anedota. As primeiras palavras sem sentido, as perguntas que nos deixam mudos, as primeiras borbulhas, a voz a mudar, as crises de mau feitio. E quando eles começam a levar-se muito a sério e a ter opiniões consolidadas e irrefutáveis? Não me rio por respeito. Até as mentirinhas têm graça, assim como as más notas porque “não gosto da matéria e isto não serve para nada”. Levar tudo isto muito a sério, é não perceber que o fundamental da nossa missão como pais é a alegria que transmitimos e a leveza com que tratamos das coisas irrelevantes. Tudo o resto nos é dado por acréscimo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.