A Igreja pela qual me apaixonei

Sem paredes, toda ela porta. Sem pudor, toda ela alegria. Francisco conta connosco e pede-nos que sejamos o milagre que este mundo precisa.

Afastei-me da Igreja aos 15 anos. Via-a como algo que estava a mais na minha vida, que complicava mais do que ajudava. Foram precisos onze anos e um artigo do Expresso sobre os jesuítas para regressar a casa. Esta invulgar mediação permitiu-me reconhecer que a liberdade que sempre procurei só a poderia encontrar com outros em Deus, algo que ainda hoje me parece tão paradoxal como verdadeiro.

Pessoalmente, a JMJ Lisboa 2023 foi um regressar à fonte. Recordou-me a alegria dos inícios no CUPAV e a serena cumplicidade de quem faz caminho junto. Trouxe-me de volta o gosto pela riqueza da Igreja, expressa em centenas de culturas e sensibilidades diferentes. Permitiu-me rezar as sombras e o pecado, da Igreja e próprios, sem os maquilhar nem desvalorizar, recordando-os, reconhecendo-os e assumindo-os.

No final da JMJ, inspirado pelo relato da Transfiguração, o Papa Francisco sugeriu três palavras-desafio aos peregrinos: resplandecer, escutar, arriscar. Estas são mais do que indicações para o caminho. Elas dão nome às sementes que o Papa foi depositando nos nossos corações ao longo destes dias: ser luz no meio das sombras, escutar o sonho de Deus para cada um de nós e, principalmente, não ter medo.

No final da JMJ, inspirado pelo relato da Transfiguração, o Papa Francisco sugeriu três palavras-desafio aos peregrinos: resplandecer, escutar, arriscar. Estas são mais do que indicações para o caminho. Elas dão nome às sementes que o Papa foi depositando nos nossos corações ao longo destes dias: ser luz no meio das sombras, escutar o sonho de Deus para cada um de nós e, principalmente, não ter medo.

É possível que alguma destas sementes tenha ficado pelo caminho ou caído em terreno pedregoso. É até possível que uma ou outra semente venha a ser abafada por cardos. Agora que terminou a JMJ, é bom recolher as sementes que as palavras do Papa Francisco levavam, sementes que poderão ter sido espalhadas pelo vento, e trazê-las ao coração.

Ser luz

Ser luz é chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram. É perdoar o imperdoável e abraçar o intocável. É amar, «um amor concreto que suja as mãos na terra da realidade».

Para ser luz, há que começar pelas raízes da nossa alegria, raízes amorosas, feitas de rostos: pais, amigos, avós, catequistas, tios, padres, primos, irmãs e até desconhecidos que iluminaram as nossas vidas com a sua bondade. Eles são os nossos mestres de amor e devemos manter as suas memórias vivas. E agradecer, agradecer, agradecer.

Para ser luz, há que começar pelas raízes da nossa alegria, raízes amorosas, feitas de rostos: pais, amigos, avós, catequistas, tios, padres, primos, irmãs e até desconhecidos que iluminaram as nossas vidas com a sua bondade. Eles são os nossos mestres de amor e devemos manter as suas memórias vivas. E agradecer, agradecer, agradecer.

Ser luz é amar. Amar é perigoso, mas há que correr o risco de amar. Amar o outro como é, e deixar-se amar por Deus como somos, sem cair no erro do «egoísmo disfarçado de amor», autocentrado e autorreferencial, pois «quando te viras para dentro, como um egoísta, aí a luz apaga-se.»

Amar é ser luz. Amar é deixar-se fazer pela luz. Ser luz não é um acaso, ou carisma pessoal: é uma opção. E nós somos chamados a amar mesmo entre as sombras dos abusos, dos pecados dos outros e próprios, dos preconceitos que reconhecemos na Igreja.

«O grito das vítimas não é o lugar do qual devemos fugir: é o lugar da escuta e do acolhimento, do abraço e porto de partida», disse-nos o Papa Francisco. O escândalo, provocado pelos abusos ou pelas palavras e gestos de outros católicos, não nos deve levar a descer da barca de Pedro, mas sim a lançar as redes para onde Jesus nos pede, e resgatar outros da profundeza das sombras. «Somos chamados a lançar de novo as redes e a abraçar o mundo com a esperança do Evangelho.»

O Senhor estende um caminho de luz por entre as sombras da nossa Igreja, um caminho que não as rodeia, ignora ou evita, mas que as atravessa. E este é um caminho feito de amor e para amar.

Escutar

Cristo tem um sonho para cada um de nós e quer vivê-lo conosco. Cristo ama-nos. E ama-nos como somos, «sem maquilhagem». Ele ama-nos, chama-nos pelo nome e conta conosco.

Quão pertinente foi acolher o Papa com a atuação do Ensemble 23, que nos mostraram com dança o quão perdidos nos sentimos entre os ruídos das notificações das redes sociais? A forma como Cristo nos chama nada tem a ver com o ruído das redes, em que o nosso nome é conhecido, mas raramente invocado, em que o nosso nome é sempre um dado, e nunca um dom.

Quando escutamos o nosso nome na voz do Senhor, reconhecemos a nossa identidade profunda: ser dom de Deus para os outros. Quando escutamos Cristo, rapidamente reconhecemos que Ele nos desafia a chamar outros. Todos têm lugar na Igreja de Cristo, esta Igreja que o Papa Francisco deseja que seja como a Capelinha das Aparições em Fátima: sem portas, para que todos possam entrar.

Uma Igreja que é a casa da Mãe, de «uma Mãe [que] tem sempre o coração aberto, para todos os filhos, todos, todos, todos, sem exceção». Este é o eco em Fátima do clamor de Francisco na Colina do Encontro, em que nos pediu que disséssemos com ele que na Igreja há lugar para todos. «Todos, todos, todos», repetimos quando ele nos pediu. Três vezes, cada um na sua língua, como se de uma nova doxologia se tratasse.

Escutar o Senhor é viver de coração aberto a todos. É reconhecer que cada pessoa é dom de Deus no mundo e para o mundo, e que tem algo de Deus para nos dizer, para nos mostrar, para nos ensinar. É caminhar com todos. «É isto que precisamos na vida: não é fama, sucesso, dinheiro, mas saber que não estamos sozinhos, que temos sempre alguém ao nosso lado». Cristo está ao nosso lado e pergunta-nos: «posso contar contigo?»

Escutar o Senhor é viver de coração aberto a todos. É reconhecer que cada pessoa é dom de Deus no mundo e para o mundo, e que tem algo de Deus para nos dizer, para nos mostrar, para nos ensinar. É caminhar com todos. «É isto que precisamos na vida: não é fama, sucesso, dinheiro, mas saber que não estamos sozinhos, que temos sempre alguém ao nosso lado». Cristo está ao nosso lado e pergunta-nos: «posso contar contigo?»

Não tenhais medo

Em breve estaremos todos de volta aos lugares de sempre. Quase todos encontraremos uma grande indiferença em relação aquilo que acabámos de viver. Tentarão sufocar a energia com que chegámos com a sua “sensatez”. Por isso mesmo, é importante percorrer o caminho de volta ao quotidiano com os dois «verbos dos peregrinos» calçados: procurar e arriscar.

Procurar e arriscar a beleza de vida, a bondade, a verdade. Isso implica rejeitar as fórmulas pré-fabricadas, a felicidade pronta-a-consumir, e fazer perguntas, pois são estas que nos abrirão o futuro. Há que ter saudades do futuro e descolar dos lugares que habitamos rumo ao Reino que o Senhor está a construir. Temos de ousar sonhar com um outro país, uma outra Europa, um outro mundo. E sonhar juntos, com todos e contra ninguém, colocando ao serviço a nossa história de vida, as nossas amizades, a nossa formação.

A nossa insatisfação com o rumo atual não é fruto do fracasso, não é sintoma: é sinal de vida. Ficamo-nos muitas vezes pela gestão dos nossos receios, pelo queixume brando ou lamento inconsequente, dando até força a alarmismos estéreis. Deus não nos chama a viver desta forma, pois nós não fomos criados para ser «administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!»

A nossa insatisfação com o rumo atual não é fruto do fracasso, não é sintoma: é sinal de vida. Ficamo-nos muitas vezes pela gestão dos nossos receios, pelo queixume brando ou lamento inconsequente, dando até força a alarmismos estéreis. Deus não nos chama a viver desta forma, pois nós não fomos criados para ser «administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!»

Não ter medo é o grande apelo do Papa Francisco. Há que rasgar o medo, olhar o fracasso como ressuscitados, e aceitar percorrer o caminho da inquietação e dos problemas. Iremos cansar-nos no caminho, sem dúvida. Mas mais vale cansar-nos por amar de mais do que por ficar no sofá, anestesiados pela dor e pelo ressentimento, frente ao ecrã.

Iremos tropeçar muitas vezes e, algumas vezes, cairemos redondos no chão. Bendita queda, que nos permitirá levantar de novo! O que importa na vida não é nunca cair, nem é relevante para a felicidade a quantidade de vezes que caímos. O que realmente importa é que nos levantemos. Quando cairmos, levantemo-nos. Quando virmos alguém caído, levantemo-lo.

Não tenhamos medo dos que estão caídos à beira da estrada. Olhemo-los! «O único momento, em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo é para ajudá-la a levantar-se.» Esta é talvez das experiências mais pessoais de Ressurreição que vivi com a minha vocação: quando me encontrei caído no chão devido à tontura do sucesso ao estilo do mundo, foi a Igreja, através da Companhia de Jesus, que me levantou. Esta é a missão que cada um de nós recebeu no batismo, e agora explicitamente das mãos do Papa, uma missão que deve fazer-nos atravessar todos os medos e levantar os caídos do mundo.

«Maria levantou-se e partiu apressadamente».

A Igreja desenhada pelo Papa Francisco nestes dias é a Igreja pela qual eu me apaixonei. Uma Igreja sem paredes, toda ela porta. Sem pudor em anunciar Cristo, toda ela alegria. Uma Igreja com lugar para todos, pois é com todos que conhecemos Deus. Francisco conta connosco e pede-nos que sejamos o milagre que este mundo precisa.

A Igreja desenhada pelo Papa Francisco nestes dias é a Igreja pela qual eu me apaixonei. Uma Igreja sem paredes, toda ela porta. Sem pudor em anunciar Cristo, toda ela alegria. Uma Igreja com lugar para todos, pois é com todos que conhecemos Deus. Francisco conta conosco e pede-nos que sejamos o milagre que este mundo precisa.

Este encontro de peregrinos chamado JMJ Lisboa 2023 escolheu como lema o mote da primeira peregrinação da nossa fé: “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1,39). Maria sai com pressa rumo à casa de sua prima Isabel. «Saiu a correr com aquela ânsia de ajudar, de estar presente.» Inspirado por esta pressa, o Papa Francisco sugere uma nova invocação mariana: Nossa Senhora Apressada.

«Nossa Senhora Apressada é Nossa Senhora que acompanha, acompanha sempre. Ela nunca é a protagonista! Na sua vida, Maria não faz nada além de apontar para Jesus. “Façam o que Ele vos diz”, sigam Jesus.» Ela acolhe todos e aponta o caminho de Jesus. Quer que caminhemos com Ele, e é essa a fonte da sua pressa. Apressemo-nos no caminho, convidando outros para caminhar com Jesus, e invoquemos a Nossa Senhora da Pressa.

 

Nossa Senhora da Pressa,

que saíste ao encontro da tua prima Isabel

para a acolher e ajudar,

acompanha os meus dias.

Pega-me ao colo nos meus momentos de cansaço,

levanta-me do chão quando eu tropece.

Aponta-me os caminhos do teu Filho

e ensina-me a tua pressa!

Dá-me a graça de olhar os caídos à beira da estrada,

e a força para levantar e acolher todos,

sem medo nem receios,

para juntos caminharmos com o teu Filho, Jesus.

Ámen.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.