A fé em família

De certa forma, a confiança que temos uns nos outros é também a confiança que temos em Jesus. Se pensarmos que é nas pequenas coisas do dia-a-dia que vemos a Sua presença na nossa vida, este jogo é para mim, sem dúvida, um exemplo disso.

Já devem ter passado uns quatro ou cinco anos desde a primeira vez que jogámos em família um jogo que trouxe da catequese. Chegámos a casa, depois da missa das sete em Santa Isabel, e ao jantar instalou-se a confusão e animação habituais. Cá em casa somos sete e à mesa todos querem contar alguma coisa: o acontecimento mais relevante do dia, as novidades, as preocupações, enfim… Às vezes até há discussão: “eu já tinha começado a falar primeiro!”, “da última vez foste tu”, “agora sou eu!”, até há quem chore por não conseguir falar ou ser ouvido… Mas naquele sábado, depois de cada um contar o seu dia, partilhei o que tínhamos falado na catequese. Não me lembro ao certo do tema, nem do nome do jogo, mas lembro-me bem da proposta. Tão bem, que ainda hoje jogamos de vez em quando.

O jogo dividia-se em duas rondas: na primeira cada um dizia o que mais gostava em cada um dos outros, uma coisa que dizia ou fazia. Até foi fácil identificar as qualidades dos outros e soube bem saber que o que fazemos ou dizemos tem um impacto positivo nos que vivem connosco, ou até mesmo perceber que o que fazemos bem é reconhecido. Passámos depois à segunda ronda, essa talvez tenha sido mais difícil. Era altura de dizer o que menos gostávamos ou que gostaríamos que o outro fizesse de maneira diferente e, tal como na primeira ronda, não podíamos repetir o que já tinha sido dito. Ao início foi mesmo estranho dizer abertamente ao pai e à mãe que não gostávamos de uma ou outra coisa que faziam ou diziam! As emoções acabaram por vir ao de cima, algum nervosismo por termos medo de magoar os irmãos ou os pais e a estranheza de podermos dizer o que gostamos menos num sentido construtivo e não ofensivo.

Não sei se seria por receio da reação ou apenas porque não estávamos habituados (e talvez por isso a minha irmã mais nova não tivesse querido jogar), mas a verdade é que, ao longo do jogo fomos percebendo que numa família podemos ser realmente verdadeiros uns com os outros. Vimos que o sentimento de desconforto inicial se traduziu numa relação de maior confiança e que nada disto nos afastou, antes pelo contrário, acabou por criar entre nós um laço de maior proximidade. Ninguém ficou magoado com o que os restantes disseram. O facto de ouvirmos o que têm a dizer sobre nós, obrigou-nos a reconhecer os nossos defeitos e, acima de tudo, fez-nos estar mais atentos às nossas ações e a fazer um esforço para melhorá-las. O tempo foi passando e nas vezes seguintes que este jogo surgiu o diálogo tornou-se bem mais fácil. Os que não quiseram jogar da primeira vez entusiasmaram-se e também participaram. Acredito que o facto de estarmos mais velhos tenha facilitado. Pensando bem, é sinal de que vamos crescendo todos juntos.

O facto de ouvirmos o que têm a dizer sobre nós, obrigou-nos a reconhecer os nossos defeitos e, acima de tudo, fez-nos estar mais atentos às nossas ações e a fazer um esforço para melhorá-las.

Quando me lembro destes momentos fico a pensar que, de certa forma, a confiança que temos uns nos outros é também a confiança que temos em Jesus. Se pensarmos que é nas pequenas coisas do dia-a-dia que vemos a Sua presença na nossa vida, este jogo é para mim, sem dúvida, um exemplo disso. O que começou por ser um momento de jogo em família, despertou em mim uma maior consciência sobre mim mesma. Fiquei a conhecer-me melhor e a estar mais atenta ao impacto que as minhas ações ou comportamentos têm, ou podem ter, nos outros, não só em família mas também entre amigos.

Voltando ao início da história, e ao dia em que trouxe este jogo para casa, não deixo de me lembrar da sorte que tive em ter tido a tia Sofia como catequista! Para além de nos ter proporcionado momentos de reflexão e aprendizagem, deixar-nos à vontade para colocarmos todas as nossas dúvidas, acho que uma das melhores coisas que retive foi a vontade de viver a verdade e a fé em família. Aquilo que dizia ainda há pouco sobre, muitas vezes, não termos noção do impacto que os outros têm na nossa vida, aplica-se agora aqui: uma simples sugestão num dia de catequese mudou a forma como vivemos em família.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.