O espírito é o complemento imaterial do homem. A Bíblia refere que o espírito humano é o sopro de Deus: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente” (Génesis 2:7). O nosso espírito manifesta-se através das emoções, dos medos e receios, das paixões, da criatividade, do intelecto. É o espírito que dimensiona a nossa capacidade de compreender, de entender. O espírito é a força da vida. O espírito vem de Deus e permite-nos o contacto com Deus.
Sendo o espírito o modelador da vida do homem, podemos entender a música como a parte imaterial que influencia a manifestação do espírito na vida do homem.
Seria impossível imaginar o mundo sem música. A própria Bíblia está repleta de cânticos. Deus ordenou, através dos seus profetas, que a música fizesse parte do culto. O ser humano é um ser musical. Desde pequenos somos atraídos pelos sons, que gostamos de combinar e ordenar de forma melódica. A música pode ser uma companhia; ouvimos música ao acordar, ouvimos música no trânsito, ouvimos música no trabalho ou com os amigos. No fundo, as nossas vidas estão repletas de sons, musicais ou não. A música pode, em momentos difíceis, amenizar as nossas angústias e tristezas e transportar-nos a um mundo de paz, bem-estar e alegria.
Sendo o espírito o modelador da vida do homem, podemos entender a música como a parte imaterial que influencia a manifestação do espírito na vida do homem.
Na verdade, a música é mais do que uma arte de entretenimento. Os antropólogos e sociólogos não conhecem uma única cultura da história da humanidade que não tivesse música. Durante milhares de anos, tribos primitivas utilizaram a música nas suas práticas religiosas, para apelar à proteção dos deuses. Pitágoras utilizou a música como solução para problemas de ordem psicológica e física. Nos nossos dias, os cientistas voltaram a interessar-se pelo estudo dos efeitos benéficos da música no cérebro humano, quer a nível individual, quer na sociedade em geral.
A música pode ser definida como a arte de expressar sentimentos e emoções através dos sons. O compositor italiano Ferruccio Busoni refere que “música é o ar sonoro”. É extraordinário como uma simples vibração sonora, invisível aos olhos do homem, pode gerar uma tão profunda e rica experiência emocional.
Ao longo da minha vivência como músico, pude por vezes experienciar a similitude entre a música e a espiritualidade. Fazer música é um ato de criação. Isso implica que o criador se liberte das regras, das técnicas, dos textos musicais (partituras), e consiga entrar noutra dimensão. A sublimação musical acontece quando o músico consegue atingir momentos de elevação espiritual.
O compositor Ludwig Van Beethoven refere que a “música é o mediador entre a vida espiritual e a vida sensual”. A música desperta em nós emoções verdadeiras e profundas, conecta-nos à nossa essência, à nossa natureza divina interior.
Parece que a música transcende todas as estruturas religiosas e culturais. Tanto a música como a espiritualidade não necessitam de ser definidas em separado, elas têm a mesma essência. A música é o som do espírito.
Tal como a respiração, a música tem ritmo, tensão e libertação. Esta é a razão pelo qual gostamos de música e pela qual a música é tão importante para a alma. O ritmo, a tensão e a libertação são as expressões musicais da vida. Mesmo no início dos tempos, foi o som que trouxe o universo à existência.
O ritmo, a tensão e a libertação são as expressões musicais da vida. Mesmo no início dos tempos, foi o som que trouxe o universo à existência.
Friedrich Nietzsche, filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor, nascido na Prússia, refere que “sem música, a vida seria um erro.”
João Coelho, num artigo publicado na revista Mensageiro, refere que “a música, desde que sublime, é prece que enleva e enobrece o espírito eterno que todos somos, permitindo-nos entrar em estreita comunhão com os planos superiores da expressão espiritual.”
Tal como a religião, a música requer devoção, contemplação e reflexão.
Foto de capa: A. and I. Kruk / Shutterstock
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.