Os factos: Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS, foi convidado pelo Movimento Europa e Liberdade (MEL) para integrar um painel em que se discutirá “a intolerância cultural e a ditadura do politicamente correto”. Depois disso, André Ventura encerrará a sessão da manhã.
O MEL é um movimento que tem como objetivo promover reformas para a construção de um Portugal e de uma Europa mais livres e tolerantes. Defendem o progresso dentro do enquadramento social europeu e defendem que uma sociedade pluralista precisa de entidades capazes de intervir politicamente, que contribuam para a informação dos eleitores e promovam uma melhor democracia. Tendo um posicionamento político claro, que não escondem, promovem o debate político num quadro de abertura e transparência. Em suma: são promotores da liberdade de expressão e do pluralismo, acreditando que as demagogias populistas e extremistas não se combatem com limitações da liberdade de expressão daqueles com quem não concordamos.
Assentes as premissas, não choca que o MEL convide Sérgio Sousa Pinto para falar sobre um tema de inquestionável atualidade e de uma relevância incontornável.
A crítica, porém, não tardou em chegar. Com a sua participação no fórum, Sérgio Sousa Pinto estaria a contribuir para o branqueamento democrático de André Ventura reconhecendo-o como um agente político legítimo e traindo a democracia. E isso, independentemente das comprovadas convicções do deputado e da sua conhecida seriedade. Deslocando-se da crítica a Sérgio Sousa Pinto para a crítica ao Movimento sufragou-se, genericamente, que um Movimento que se diz democrático não pode convidar André Ventura para um seu evento. A solução passaria, parece, por construir um cerco sanitário à volta do deputado do Chega, evitando, ademais, qualquer referência ao seu nome e afastando-o do debate político e do confronto de ideias que deve pautar qualquer democracia.
Assentes as premissas, não choca que o MEL convide Sérgio Sousa Pinto para falar sobre um tema de inquestionável atualidade e de uma relevância incontornável.
Os mais atentos dirão que André Ventura não vai debater e vai apenas fazer um discurso. É verdade. Contudo, e em primeiro lugar, não vejo como é que isso pode contaminar a participação, num outro painel, de Sérgio Sousa Pinto. Conhecemos as suas convicções e o que pensa, sendo óbvio para todos que qualquer associação de pensamentos entre Sérgio Sousa Pinto e André Ventura nunca será mais que fantasiosa. No que se refere à crítica ao Movimento, diremos, em segundo lugar, que representando toda a convenção um espaço de debate, não é pelo facto de André Ventura se limitar a fazer um discurso que deixa de estar sujeito à crítica. Podíamos preferir, como é o meu caso, o enquadramento de André Ventura num debate em que não partilha, como parece ser claro, dos ideais da maioria. Mas isso não significa, repetimos, que a sua intervenção deixe de estar sujeita ao escrutínio que, em qualquer sociedade democrática, vale (para o bem e para o mal) para todos os seus intervenientes.
Feito este aparte, não deixa de ser útil reforçar que a crítica feita à 3.ª convenção do MEL é independente da participação de André Ventura num debate ou num discurso, bastando-se com a sua presença. Esta é a lógica dos que defendem que André Ventura deve ser arredado do debate político e colocado num gueto. É a lógica dos que defendem, à partida e ultrapassando o saudável debate político, a intolerância com os intolerantes e que esquecem que isso é ser antidemocrático. É a lógica que, paradoxalmente, apenas contribuirá para fazer de André Ventura uma “vítima do sistema” como o próprio gosta de se proclamar. E é, ironicamente, a lógica dos que, as mais das vezes, são inflexíveis com André Ventura, mas tolerantes com a extrema-esquerda que, como se sabe, não se pauta pela defesa de uma verdadeira democracia.
Como se intui, entendo não ser este o caminho a seguir relativamente a quem, bem ou mal, teve cerca de meio milhão de votos nas últimas eleições. O debate e o confronto político têm que ser de ideias e não de partidos. Muito menos de pessoas. Temos de ser fieis à democracia que seguimos e trazer todos para o debate político.
É a lógica dos que defendem, à partida e ultrapassando o saudável debate político, a intolerância com os intolerantes e que esquecem que isso é ser antidemocrático. É a lógica que, paradoxalmente, apenas contribuirá para fazer de André Ventura uma “vítima do sistema” como o próprio gosta de se proclamar.
A sequência das críticas ao deputado socialista revela, parece-me, aquilo que realmente é inaceitável para os mais zelosos defensores da democracia. Começando por se criticar o facto de Sérgio Sousa Pinto participar num fórum em que também falaria André Ventura (com quem nem sequer partilharia o palco), rapidamente se percebeu que esta não vingaria. Seguiu-se a crítica ao próprio Movimento que, declarando-se democrático, não poderia ter André Ventura como um dos seus oradores. En passant, criticava-se o tema sobre o qual o deputado socialista iria falar: a intolerância cultural e a ditadura do politicamente correto. Sendo este o nome que se dá às mais modernas regras de boa educação, assegurando-se que ninguém possa, eventualmente, ficar ofendido, o mesmo só seria um tema para aqueles, da Direita, que ainda não chegaram lá. O problema surge, está claro, quando um deputado socialista aceita dialogar sobre um não tema … E é por isso que em muitas das críticas que vi serem feitas, o que se tem por inaceitável é o tema que se vai debater. E isto, note-se, é independente da presença de André Ventura. Na verdade, e apesar de na primeira convenção André Ventura ter agradecido o facto de não ter sido convidado, este é já o segundo ano consecutivo em que o deputado do Chega participa na dita convenção. Do que me recordo, da sua participação no ano passado não se guardaram nem ecos nem glória, e, ainda menos, críticas à sua presença… Diga-se, ainda, que a confirmar aquela que me parece ser a razão real das criticas está o facto de, não obstante Sérgio Sousa Pinto não ser o único orador ligado ao PS a participar na convenção do MEL, foi o único alvo das inflamadas críticas que a ninguém passaram despercebidas.
Foquemo-nos no essencial: qual é o mal de Sérgio Sousa Pinto participar num painel, onde se junta a João Miguel Tavares, Carlos Magno, Francisco José Viegas, Helena Matos e Pedro Boucherie Mendes e em que se discutirá a intolerância cultural e a ditadura do politicamente correto? O mal está em existir alguém do lado esquerdo do hemiciclo disposto a discutir algo que outros não ousam identificar sequer como um tema. E o bem? O bem está na promoção do debate político sobre temas essenciais na nossa democracia e que constitui, precisamente, um dos objetivos do MEL. Com efeito, um debate sobre o tema em questão com intervenientes como Sérgio Sousa Pinto é de enorme interesse e contribuirá certamente para os desideratos do MEL.
Para terminar, diria apenas que este não é um tema que se vai com a espuma dos dias, mas antes a manifestação de algumas ideias que não se desvanecerão tão cedo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.