7 de outubro…

No dia 7 de outubro, aparentemente, tudo estava na mesma. No entanto, a 6 de outubro, a coisa moveu-se e ficou diferente, para sempre…

No dia 6 de outubro, os portugueses votaram e decidiram. Como sempre acontece, os resultados eleitorais ditaram vencedores e derrotados e suscitaram as análises todas que se puderem e quiserem fazer. O ritual político manteve-se igual e a vida dos portugueses seguiu o seu rumo normal, no dia 7 de outubro.

No entanto, apesar de tudo permanecer, aparentemente, igual, a realidade moveu-se, de forma significativa e, eventualmente, irreversível.

1. A composição da próxima Assembleia da República contará com a presença de 10 partidos políticos, facto inédito na história da democracia portuguesa. Como nunca aconteceu, no passado, o futuro parlamento representará, de forma mais fiel, a diversidade ideológica e política da atual sociedade portuguesa. Na realidade, o espectro parlamentar está, hoje, mais próximo da realidade política e social portuguesa. No futuro, sobre qualquer assunto relevante para a vida dos portugueses, existirão dez opiniões, dez alternativas; dez posições políticas. Esta é uma realidade melhor – porque mais rica e mais representativa da realidade – do que a existente no dia 5 de outubro;

2. O ecossistema político e parlamentar enriqueceu-se, nestas eleições. Novos partidos políticos conseguiram, finalmente, romper a barreira da existência parlamentar. À semelhança do PAN que, há quatro anos, tinha concretizado essa finalidade, no dia 6 de outubro, outras três forças políticas (Chega, Iniciativa Liberal e Livre) recolheram a confiança de um número significativo de eleitores (cerca de 350.000) e irão sentar os seus deputados nas cadeiras do Palácio de São Bento. E isto fará toda a diferença, no futuro imediato. Com um único deputado ou com um pequeno grupo parlamentar (caso do PAN), estas forças políticas terão direito ao mesmo tratamento que é dispensado aos restantes partidos políticos: financiamento público, palco parlamentar, audições com o Presidente da República, jornalistas ao lado, a tempo inteiro e presença assídua nos telejornais. Todos os ingredientes necessários para um sustentado crescimento, como aquele que se verificou com o PAN, nos últimos quatro anos. Basta não cometer erros, agarrar uma ou duas bandeiras mediáticas e comunicar adequadamente. Se, a isto, se juntar uma pitada de atitude antissistema, então o sucesso é garantido;

O exercício do poder político, em Portugal, assumirá uma base negocial mais estrutural e tenderá a valorizar o contexto parlamentar, como centro de gravidade da construção da decisão política.

3. As maiorias absolutas de um único partido serão, no futuro, cenários de baixíssima probabilidade de concretização. A maioria absoluta de um só partido poderá ter sido transformada, no dia 6 de outubro, numa memória e relegada para um mero exercício de arqueologia política, nos futuros compêndios de História da Política em Portugal. À direita e à esquerda dos dois partidos políticos que, até hoje, conseguiram gerar maiorias absolutas (Partido Socialista/PS e Partido Social Democrata/PSD) existe, hoje, uma nova realidade: à esquerda do Partido Socialista, vive uma esquerda ancorada em cerca de 17% de eleitores, num contexto eleitoral em que o PS obteve uma vitória expressiva; à direita do PSD, habita uma direita menos densa (cerca de 7%), mas com potencial de rápido crescimento, à semelhança do que se tem vindo a passar em todo o contexto europeu. PS e PSD apenas poderão crescer à custa um do outro. Como ambos somam cerca de 65%, para que um pudesse ter uma maioria absoluta, o outro teria que ter um resultado próximo dos 25%, número que nunca se verificou em qualquer destes partidos, no passado. Neste contexto, ainda assim, o PS encontra-se mais condicionado do que o PSD, pois a esquerda à esquerda do PS está mais sedimentada do que a direita à direita do PSD. No futuro, PS e PSD somarão menos do que os atuais 65% – pelas razões que, a seguir, se apresentam –, facto que diminuirá, ainda mais, a probabilidade de uma maioria absoluta;

4. Decorrente das circunstâncias anteriormente descritas, a tectónica da dinâmica política e social portuguesa determinará uma nova realidade, na qual há uma certeza: o exercício do poder político, em Portugal, assumirá uma base negocial mais estrutural e tenderá a valorizar o contexto parlamentar, como centro de gravidade da construção da decisão política. Não existindo maiorias absolutas de um único partido, a Assembleia da República não voltará a correr o risco de ser um simples serviço notarial que regista as decisões dos governos e assumirá um protagonismo a que se habituou na última legislatura. Deste contexto de permanente negociação – que os portugueses terão apreciado, atendendo aos resultados eleitorais de 6 de outubro –, decorrem duas consequências principais: (i) a necessidade de construção de compromissos que, resultando dos acordos possíveis, são sempre soluções médias, com geometria variável e natureza conjuntural; (ii) a dificuldade, óbvia, de se concretizarem as reformas estruturais mais essenciais que são, pela sua natureza, as que mais fraturas criam entre quem tem que se entender;

5. A política da negociação permanente será a nova realidade política portuguesa e nela se revelarão os novos líderes políticos: os mais capazes de negociar e criar a rede necessária para a manutenção do poder. Para trás, ficará a era dos que cortavam a direito, reformavam até ao osso, assumiam os riscos no início das legislaturas e enfrentavam as forças da oposição com a força da maioria. Hoje, a oposição faz parte da solução;

No dia 7 de outubro, aparentemente, tudo estava na mesma. No entanto, a 6 de outubro, a coisa moveu-se e ficou diferente, para sempre…

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.