Além dos 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões e dos 50 anos do 25 de Abril, em 2024 há mais uma celebração incontornável em Portugal: o bicentenário da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre.
Sendo, a nível global, uma das mais antigas produtoras de bens artísticos com trabalho ininterrupto, a Vista Alegre reforça assim o seu prestígio e o seu estatuto como uma das empresas mais relevantes em Portugal.
Inspirada na Fábrica de Vidro da Marinha Grande, a Fábrica da Vista Alegre foi fruto do carácter visionário de José Ferreira Pinto Basto (1774-1839) que começou por produzir vidros e louça de pó de pedra. Recebeu de D. João VI, em 1826, o privilégio de exclusividade para o fabrico de porcelana e, em 1828, o título de Real Fábrica.
Com a descoberta de jazigos de caulino a norte de Ílhavo, em 1832, inicia-se a produção industrial de artigos em porcelana, alterando a relação de Portugal com este material. Era através dos portugueses que os artigos em porcelana chegavam à Europa, trazidos da China, desde o século XVI. Para o aperfeiçoamento do trabalho desta matéria-prima, muito beneficiou a visita de Augusto Ferreira Pinto Basto (1807-1902), filho do fundador, à Manufacture National de Sèvres, com a qual se manteve uma frutífera relação desde então.
Foi também de França que veio Victor Rosseau, mestre pintor, para criar a Escola de Desenho e Pintura e assim formar a mão-de-obra local. Nesta escola, providenciavam-se as noções básicas não só de perspectiva, contraste e domínio do traço, mas também de equilíbrio e harmonia cromática, o que na cerâmica é particularmente desafiante, uma vez que as cores só se revelam verdadeiramente ao saírem do forno.
Se nos primeiros tempos era óbvia a influência decorativa de Sèvres, muito por causa do ensino de Rosseau e de Gustave Fortier, com o mestre Duarte Magalhães a linguagem da Vista Alegre independentizou-se, começando a expressar-se de uma forma única, inconfundível e orgulhosamente portuguesa.
Apesar do reconhecimento internacional na segunda metade do século XIX, conseguido através das Exposições Universais de Londres e de Paris, a empresa atravessou uma fase de declínio na transição do século promovida pela crise social e financeira sentida em Portugal e também por uma deficiente gestão da empresa. Iniciou-se, assim, uma decadência do gosto e uma falta de proatividade, de inspiração e de orientação artística, contudo, graças à ousadia de João Theodoro Ferreira Pinto Basto (1870-1953), a Vista Alegre não só veio a multiplicar a sua produção, atualizando-se a nível tecnológico, como a desenvolver-se a nível artístico, melhorando a qualidade das suas obras e adaptando-se ao gosto contemporâneo. Mergulhou assim no estilo Art Déco e colaborou com artistas como Raul Lino, Simões de Almeida, Roque Gameiro, Delfim Maia, entre outros, apesar de nunca ter deixado a produção das peças clássicas e consensuais, que nunca deixam de ser adquiridas.
Iniciou-se, assim, uma decadência do gosto e uma falta de proatividade, de inspiração e de orientação artística, contudo, graças à ousadia de João Theodoro Ferreira Pinto Basto (1870-1953), a Vista Alegre não só veio a multiplicar a sua produção, atualizando-se a nível tecnológico, como a desenvolver-se a nível artístico, melhorando a qualidade das suas obras e adaptando-se ao gosto contemporâneo.
Sendo de louvar o modo como a Vista Alegre tem conseguido singrar a nível tecnológico e artístico, é realmente fascinante e notável a importância que dá aos seus colaboradores, desde o início. Apesar de algumas destas regalias já não estarem ativas, a Vista Alegre contou com casas para as famílias dos trabalhadores, creche, refeitório, corpo de bombeiros, ensino gratuito das primeiras letras e números, aulas de música, teatro, campeonatos de futebol, celebrações, festejos civis e religiosos. O desejo de José Ferreira Pinto Basto foi o de criar um bairro operário que possibilitasse a existência de uma verdadeira comunidade, regida pelos valores da família e da amizade, assim como os da educação e do desenvolvimento pessoal, fixando os seus colaboradores pela qualidade de vida ali encontrada e pelo orgulho no seu trabalho.
Passados dois séculos, e produzindo hoje cerca de 20 milhões de peças por ano, a Vista Alegre tornou-se uma marca que vai muito além de um complexo fabril. Sendo inegável o seu papel como arquivo de tantas memórias, continua atual o seu nível de exigência, o seu espírito arrojado e a sua capacidade de se reinventar, mesmo atravessando períodos mais conturbados. O Museu, inaugurado em 1964, serve de prova de tudo isso e é uma passagem obrigatória para o aprofundamento do conhecimento da história nacional.
A sua vasta produção – a nível de quantidade e de gosto – faz com que, por um lado, não haja uma casa portuguesa sem um pássaro ou um paliteiro Vista Alegre e que, por outro, se encontrem serviços completos em mesas de vários líderes mundiais, do Reino Unido ao Japão, passando por Marrocos e até pela Jordânia.
*Fotografia de capa de Pedro Cerqueira
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.