Uma luz diferente

Aqui sinto uma luz diferente… Uma luz que teima em entrar, em aquecer e se fazer sentir mesmo nas terras mais áridas ou sombrias. Sabe que tem de persistir e esperar que nasça fruto… e fá-lo, alegremente, dia após dia.

5h30 e os raios de Sol já teimam em entrar pela portada. Viro costas à luz para preguiçar mais um pouco, mas não se passa muito tempo até ao 1º toque do nosso melhor despertador, aquele que dispensa bateria e não falha a pontualidade… galos e galinhas do mato que às 6h30 já nos começam a dar os bons dias. E mesmo que tente adiar o despertador, eles continuam a “tocar”.

Ok…  Hora de acordar. De seguida ouço os vizinhos a preparar o seu dia e/ou a encaminharem as suas crianças, de bata branca e banco de plástico sobre a cabeça, para a escola. Recebo esta luz matinal mas ainda teimo em esfregar os olhos. Mas não por muito tempo… Lá me vou mexendo e abro a porta da cozinha.

Entre a Tia Isa, que nos ajuda na casa (e no dia), e os vizinhos, já se trocam as primeiras palavras: “Bom dia! Ualalé?” – que significa “Passaste bem a noite?” – Não é bonita esta pergunta? “Bom dia minha filha”, diz a Tia Isa. “N’dalalé, hove vo Ualali?” – Passei, e vocês passaram bem a noite? “Tualale Tia”. E com mais ou menos pressas para os afazeres do dia, ou atrasos nas horas de chegada, este cuidado de saber como estamos, como estão, nunca é ultrapassado.

Saio para rua. E vejo as pessoas a cumprimentarem-se com: “Bom dia!” “Obrigado, sim!” ou um simples “Bom dia, aqui tudo bem, não sei aí do seu lado?”. Que estranho não é? Agradecer o bom dia que se dá ao outro… Ou será estranho não se agradecer quando alguém nos deseja um bom dia? Faço então o mesmo. Cumprimento quem passa por mim, por norma de cara séria e aparentemente intrigada com a minha pessoa. E por norma recebo um sorriso, maior ou menor, seguido do mesmo “Obrigado”.

Podia dizer que as pessoas são poucas ou as suas vidas calmas, ao invés da capital de Portugal, onde moro, e onde não nos olhamos ou cumprimentamos… mas não são. As inúmeras horas na lavra (cultivo), os inúmeros trabalhos e biscates que se avizinham para o dia de cada um, não passam à frente de um olhar verdadeiro ao “mano”, à “tia”, à “mãe” que por eles passa. E sim, sabem a dureza do seu dia logo pela manhã… Sabem bem as horas que terão de caminhar ao sol, cultivar ao sol e vender ao sol… melhor de que eu possa algum dia saber… Mas não deixam de receber e ser luz, logo pela manhã.

Olham-me nos olhos também; por vezes com seriedade, outras com curiosidade ou risadas, mas não disfarçam ou desviam o olhar… Olham-me e fazem-me olhar. Sigo então o meu dia, já sem esfregar os olhos, pronta para os meus “afazeres” na certeza de que, antes de regressar à cama, serei abençoada com um gesto de carinho ou um simples olhar de ternura ou gratidão… E, claro, certa de que o dia será tudo menos certo.

Beatriz Lopes
Ganda, 2019-2020