Uma ida ao mercado

A Xinha é para mim muito do que vejo no povo santomense, é apenas uma das histórias que me fez perceber a grandeza do potencial destas pessoas com quem vivo diariamente.

No centro da cidade de São Tomé situa-se o mercado onde podemos encontrar de tudo: frutos, legumes, peixe, especiarias, roupa, filmes pirateados, medicamentos, produtos de higiene, e tantas outras coisas. São tantas coisas que os dois edifícios criados para o efeito não chegam para albergar tanto vendedor e as suas bancas de venda. À volta dos edifícios degradados e sujos, os vendedores estendem uma toalha no chão onde colocam os frescos ou montam uma mesa onde expõem os seus produtos. Cada vendedor tem o seu lugar marcado e, com o tempo, vamos sabendo onde cada um está localizado.

Todas as semanas, quem está responsável pela governação na comunidade, um cargo rotativo que garante a alimentação durante essa semana, vai pelo menos uma vez ao mercado. Cada ida traz novas histórias, sejam elas boas ou más. Há dias em que somos abalroados e quase caímos para cima de um alguidar de peixe, há outros em que conseguimos um batimento (desconto) porque despendemos 2 minutos da ida ao mercado a falar com uma senhora que vende legumes, há outros em que chegamos a casa e percebemos que comprámos gato por lebre. Temos a sorte de, aqui na cidade, irmos muitas vezes acompanhadas pela Lala, a nossa incrível empregada, que nos ajuda a reconhecer os produtos bons, a controlar preços e a ir às bancas certas. Pela sua simpatia e amabilidade, quando trabalhou perto do mercado fez muitos amigos por ali. Uma dessas pessoas é a Xinha e é sobre ela que vos quero falar hoje.

A Xinha é a mulata do mercado e vende essencialmente banana. Está ali há muitos anos e já conhece cada canto à casa, cada banca, cada peixe, cada legume, cada preço. Sempre bem-disposta e sorridente, com a sua voz rouca faz uma grande festa quando aparecemos para a cumprimentar. A Lala apresentou-no-la como a pessoa a quem recorrer se um dia viéssemos sozinhas ao mercado. É de facto a Xinha que faz as vezes da Lala quando necessário para se certificar que não somos enganadas e que escolhemos os melhores produtos. Sem pedir nada em troca, ela deixa o seu trabalho para nos ajudar e ainda insiste em levar os sacos.

Num dia normal de mercado, passei com a Lala pela Xinha para a cumprimentar. Naquele dia estava diferente. Falava baixinho com a Lala, com um ar tímido e envergonhado, como quem conta um segredo. Ela tinha um pedido para me fazer mas tinha vergonha de o dizer em voz alta – queria perguntar se lhe conseguia arranjar uma Bíblia porque queria conhecer melhor Deus. Aquela senhora, com uma gratuidade e generosidade sem medida, sentia-se atraída por este Jesus misericordioso e queria conhecê-lo no seu íntimo, na sua essência que é a Palavra. Esta interação não teve mais do que 2 ou 3 minutos, mas tocou-me. Ainda não arranjei a Bíblia para a Xinha, mas sempre que estou com ela relembro-a que ainda não me esqueci do seu pedido.

A Xinha é para mim muito do que vejo no povo santomense, é apenas uma das histórias que me fez perceber a grandeza do potencial destas pessoas com quem vivo diariamente. Uma pessoa simpática, acolhedora, sempre disponível e com um coração enorme, que procura incessantemente algo – seja Deus, seja um futuro melhor, seja o que for. Tal como nela, vejo esta procura noutras pessoas com quem me cruzo, nos nossos parceiros, nos nossos amigos. Há uma esperança inerente, nem sempre muito viva, de que o melhor ainda está para vir.

Marta Campelo
S. Tomé e Príncipe, 2018-2019