Tudo é possível

Pessoas como o Bebucho fazem-nos acreditar no desenvolvimento, fazem-nos confiar que aquilo que aqui vamos semeando vai sendo colhido e pode ser semeado mais tarde por quem colheu.

Hoje falo-vos de alguém com quem tive o privilégio de trabalhar e de partilhar esta bonita missão que vivo em São Tomé e Príncipe. Um amigo com quem muito cresci neste tempo.

O Flamelo Almeida, mais conhecido por Bebucho, tem 24 anos, nasceu em São Tomé e cresceu em Porto Alegre onde trabalha há 3 anos como polícia.

“Nunca sonhei, nunca desejei ser polícia. Tinha mau pressentimento sobre essa profissão. Agora que estou dentro, que faço parte desta instituição, gosto. Se Deus me escolheu para a justiça, então tenho de fazer a justiça”.

Quando os Leigos para o Desenvolvimento (LD) chegaram a Porto Alegre em 2012, soube da sua existência, mas não teve muita curiosidade.

“Sou do tipo, estás na tua vida, estás aí, cada um por si, não preocupa comigo, eu não preocupo contigo. Quando voltei, já regressei como polícia, a relação já era diferente. Havia sempre essa troca de conversa, cumprimento e aconteceu que comecei a aproximar. Daí surgiu uma ligação. Todos os voluntários que foram e vieram, essa amizade continuou.”

De início não participava nas reuniões que existiam do Grupo Comunitário de Porto Alegre.

“Essas cenas de reuniões do Grupo Comunitário é que achava uma coisa chata. Convidavam a Polícia, mas eu não ia. Passava o convite para o comandante. Estava mesmo distante.”

Mas com tempo, isso foi mudando.

“Eu comecei mais a ir para as reuniões com o último grupo. Foi um grupo que eu tive mais amizade. Tínhamos uma ligação mesmo impressionante. Mas sempre me convidavam para ir para as reuniões e eu não ia.  Até que um dia eu decidi mesmo ir, fui para aí 5 minutos.“

Em maio de 2021, foi-lhe feita a proposta de integrar a Direção do Centro Cultural Comunitário, um projeto acompanhado pelos LD que passa pela gestão sustentável e dinâmica de um espaço que pretende ser um pólo dinamizador da atividade cultural e turística da comunidade de Porto Alegre.

“Aí é que eu envolvi mais com os LD. Hoje estou a trabalhar com os LD. É excelente!“

“Aqui eu vim perceber o que é que os LD vieram para implementar nas comunidades: criar iniciativa com o propósito de quem leva isso mais adiante é a comunidade; fazer com que as pessoas percebam o que elas poderiam fazer.”

Nota diferença na mentalidade daqueles que desde início estão envolvidos nos projetos dos Leigos para o Desenvolvimento.

“Aquelas pessoas têm outra visão de como as coisas estão a caminhar, dão opinião, dão sugestões. E põem você a ver as coisas de outro lado diferente. Já são pessoas experientes. Sentaram, ouviram o que outros tinham para falar.“

Reconhece também uma transformação em si mesmo.

“Eu não interagia assim na sociedade para poder parar, ver e analisar, ver o pensamento de outra pessoa. Mas agora tenho essa oportunidade de ver, sentar numa mesa, ver cada um a expor-se. Já criei uma outra visão mais ampla de como ver as coisas, como interagir na sociedade. Ver que para as coisas mudarem tem muito sacrifício, temos mesmo que batalhar, mas se não for isso não vamos conseguir nada, porque nada vem de graça.“

“Adquiri mais experiência: como elaborar uma carta, como ser secretário. Para mim é um stress! Ter que decorar, escrever o que outras pessoas estão a falar. Depois para tu vires parar, sentar e reescrever, criar uma versão com tudo isso. Nunca achei! Mas nada é impossível. Tudo é possível! Quando tens vontade, consegues!”

Questionado sobre o seu à vontade em falar em público, ele responde que “Não gostava disso, falar, expor assim à comunidade” e que foi outra coisa que também mudou.

Pessoas como o Bebucho fazem-nos acreditar no desenvolvimento, fazem-nos confiar que aquilo que aqui vamos semeando vai sendo colhido e pode ser semeado mais tarde por quem colheu.

“O que eu aprendi, o que oiço, tento fazer as outras pessoas perceber: qual é a importância, porque estamos a fazer isso. Mesmo se não tiver retorno das coisas, nós podemos conhecer muitos sítios onde podemos bater portas. Da minha parte é fazer, mostrar o que aprendi. O que posso fazer é a minha competência. Se cada um estivesse a fazer a sua parte tenho a certeza que seria uma comunidade excelente.”

Por fim, questionado se acredita que isso será possível, responde com esperança: “Quem sabe algum dia.”

Inês Rocha e Mello
São Tomé e Príncipe – Porto Alegre, 2021-2022

Entrevistado: Flamelo Almeida (Bebucho)