Gostava de vos falar do senhor Igreja Matinal. O senhor Igreja é uma força da natureza com cerca de 1,60 m e mais de 75 anos. A prova viva de que os homens não se medem aos palmos e de que a juventude é uma forma de estar na vida.
Na realidade o seu nome é João, mas no mundo das artes e culturas em São Tomé é conhecido por Igreja Matinal – e não há quem não o conheça. Conta que havia quem o tratasse por Luís, porque nasceu perto do dia de Camões, mas aquando da sua entrada no mundo do espetáculo e era preciso um nome, optou por ser Igreja. E assim ficou.
Tem olhos azuis-escuros, cabelo grisalho e uma alegria contagiante. Faz parte da Fanfarra na Tragédia Formiguinha da Boa Morte – grupo de Tchiloli (1) –, onde toca chocalho, mas para além desta vertente mais musical, tem estado sempre ligado ao teatro. Quem o vê de costas a tocar chocalho convence-se de que o senhor Igreja é um miúdo. A maneira simples como anda, como se expressa e como interage com as pessoas corrobora a ideia de que é um miúdo. Não é só um sorriso na cara, é um sorriso com o corpo todo.
No Natal, o Lar de Idosos teve uma festa e convidou-o para animar as hostes. O senhor Igreja fez todo um espetáculo cujas palavras nunca serão suficientes para descrever aquele momento, tal a emoção, animação e energia com que nos presenteou na sua performance. Fez todo um relato de um jogo de futebol onde houve um remate à barra, um golo no último minuto e o apito final do árbitro. Ainda teve oportunidade de nos mostrar como se dança com uma princesa da Disney, tendo terminado com uma saída apoteótica.
A semana passada tive uma reunião a propósito de um programa de financiamentos para a área da cultura em São Tomé, onde a pessoa que nos recebeu nos mostrou uma lista do levantamento que lhe tinham dado dos diferentes grupos – formais ou informais – ligados à cultura, nos quais naturalmente se incluíam os grupos de teatro. O engraçado foi quando reparei que o senhor Igreja estava sinalizado, ele próprio, como um grupo de teatro. É merecido.
O senhor Igreja é um exemplo. Saiba eu, com a idade que tenho – nem digo a dele, que isso já é pedir demais – andar com o mesmo ar gingão e alegre. E já agora, que eu aproveite a boleia, e consiga levar esse ar leve-leve para a Igreja logo pela manhã.
Diogo Pimentel
S. Tomé e Príncipe, 2019-2020
(1) O Tchiloli é baseado num texto quinhentista de Baltasar Dias, poeta cego madeirense, e nasce da fusão entre o património português e santomense, da qual resulta uma representação teatral e musical, reinventada pelo povo de São Tomé e Príncipe.