O problema é, às vezes, conseguir manter o foco. Porque tudo acontece e é fácil nos distrairmos com outros estímulos, deixando, por momentos ou até para o dia seguinte, o que queríamos e planeamos fazer.
Acontece com todos nós, termos um plano para o dia. Termina o trabalho planeado e penso “bom, vou para casa, hoje está feito por aqui”, mas eis que há alguém que me chama. Quer dois minutos de atenção, precisa de ajuda com sacos das compras, ou quer só dizer “olá”. E até salta ao pensamento algo como “agora não dava jeito nenhum”, mas a pessoa está ali e não há como escapar. Atendemos e ficamos, porque o que precisam de nós é que estejamos ali, verdadeiramente. O que é engraçado é que no fim soube tão bem “perder” aqueles 10 minutos e falar com aquela pessoa, ouvi-la, se for preciso ajudar, ou até ser eu ajudada. Venho para casa, dez minutos depois do que planeei, com dez minutos ganhos na vida. Soube tão bem.
Já aconteceram situações destas tantas vezes e com pessoas diferentes. Com a Carla foi num dia curioso. Foi o dia que tinha muitas coisas para resolver, muito que fazer. Já passava das 19h00 e eu finalmente ia para casa. E só pensava “chego a casa, descalço os sapatos e até visto o pijama. Já não saio mais”. Entretanto no meio destes pensamentos a Carla liga-me, queria estar comigo. E eu fui. Precisava falar e contar o que anda a fazer, que conseguiu ir sozinha procurar trabalho, entre outras coisas. Tomámos um chá e ela estava tão feliz. Na hora de voltar para casa, a Carla pediu-me ainda para ir a casa dela, a avó queria muito me conhecer. E ainda bem que fui conhecer aquela avó amorosa que afinal não queria conhecer-me, mas confirmar que me conhecia porque disse-me logo “eu já vos tenho visto na missa mas queria vê-la mais perto”. Pois ali estava eu e a Carla continuava tão feliz.
Estar nesta missão, na Caparica-Pragal, é acordar com o mesmo sol de Lisboa, é ouvir os mesmos pássaros, saber que o trânsito pouco varia em todo o país, as rotinas diárias das pessoas são iguais, o barulho dos aviões (que aliás, passam primeiro por este céu e depois em Lisboa) é o mesmo. Mas, nestes quase seis meses de missão, há coisas diferentes. Uma delas e a principal é mesmo o tempo! O tempo que dedicamos a cada momento da nossa vida em missão.
Penso, muitas vezes, que poderia estar a desenvolver este projeto e a trabalhar com estes jovens, com estas instituições, mas não estando a viver (e desta forma) aqui. No entanto, a minha entrega ao estar aqui, a viver com mais duas pessoas diferentes de mim, aproveitar os meus dias para agradecer a Deus esta dádiva e ouvi-Lo, faz toda a diferença na minha vida.
Este é o tempo certo, o ideal e o oportuno para dedicar a minha vida a tanto que eu não via, não sabia e precisava.
Este tempo é a oportunidade que Deus me deu de experimentar a humildade. E tantas outras coisas. De deixar a preocupação com uma carreira profissional, com a construção de uma família, poder rever a minha relação com a família e com os amigos. E a questão é que todas estas áreas da minha vida continuam, mas o facto de poder fazer e saborear o que Deus me pede neste momento é a diferença.
O meu orientador espiritual disse-me «Margarida, deixa de andar preocupada, ou melhor pré-ocupada, porque se te pões pré-ocupada não aproveitas e desfrutas os dias e o que tens a viver». E é isso que tenho aprendido e a treinado todos os dias.
Este é o tempo de me deixar livre e disponível para acolher a missão.
Acolher as diferenças de quem comigo faz comunidade, as aventuras dos dias de passeio e descanso comunitários e surpreender-me pela criatividade de cada uma. No bairro, agradecer a abertura de coração da pessoa que mal me conhece e vem contar a sua vida e aproveitar os momentos que vivo com aqueles que me recebem no seu bairro e partilham comigo os seus amigos, a sua comida e as suas histórias.
Às vezes, o problema é conseguir manter o foco, o foco essencial, de abrir o coração para ver melhor tudo o que uma missão (muito sui generis) nos pode dar.
Margarida Patrocínio
Caparica-Pragal, 2019-2020