Fez agora três meses que cheguei a São Tomé. Nunca na minha vida tinha estado tanto tempo longe daquelas que são as minhas pessoas. E não estando próxima daqueles que me amam e me cuidam, consigo amar os que me rodeiam, perto e longe, como creio que nunca o fiz.
Talvez o cuidado em reparar naquilo que é simples e até recorrente no meu dia-a-dia tenha “manchado” o meu olhar. Talvez este reparar seja chave. “
(…) Reparar no sentido de ver com tempo e com atenção, de notar os contornos e os detalhes, de atender ao que não se dá imediatamente à superfície (…)[1]”. Será que fazia isto no meu dia-a-dia em Portugal? Parece que me perdia recorrente em cansaços e “vícios” que, aqui, (ainda) não tenho (e espero não vir a ter). Parece-me que a rotina que nos prende e nos põe que “nem ratos a correr na roda”, nos mancha o olhar recorrentemente. Deixamos de reparar…
Nesta ilha, é fácil parar e reparar na criança no topo da mangueira, que num registo calmo e preciso, vai largando mangas para os dois amigos que as vão juntando numa folha de bananeira. Bonito ver como essa criança também repara em mim, e mesmo sem nunca antes nos termos cruzado, depois de descer da árvore, me estende três mangas. Extrapolar o impacto que teria se todos o fizéssemos… É fácil parar e reparar em alguém que me cumprimenta e me deixa um sorriso (que encheria qualquer peito). Reparar na facilidade com que encostam a mota na berma da estrada para fazer alguma conversa, perguntar como estou e partilhar algumas palavras que ouviram de véspera na igreja – “Pequenos conselhos para endireitar o mundo”, como diz o Sr. Gervásio. É fácil parar e reparar na calma, tranquilidade e paciência dos (pelo menos) onze “Zés” que enquanto esperam que a hiace [2] encha, ou já a caminho do Bairro da Boa Morte (ou de qualquer outro sitio), fazem alguma conversa, ou a forma como sem qualquer esforço aceitam a conversa que faço. É fácil parar e reparar na vista que temos da nossa varanda, ou até da mesa de jantar. Reparar como é bonito o pôr-do-sol e igualmente bonito o momento em que se vai a luz à noite… É fácil parar e reparar como me faz sentido que toda a minha agenda sejam nomes de pessoas e encontros que estão para breve.
Quando o regresso estiver marcado, consiga eu parar e reparar (como nesta ilha).
Com isto, não quero de todo passar a ideia de que isto de estar em missão, na Cidade de São Tomé, é um mar de rosas, até porque não é. Mas uma coisa é certa: mar e rosas, não faltam nesta terra.
Mariana Costa
São Tomé e Príncipe, 2019-2020
[1] P. José Frazão Correia, sj
[2] Toyota Hiace – veiculo utilizado como táxi