Como é bom voltar a ver o ziguezaguear dos falcões entre o mar e os coqueiros, palmeiras, fruteiras e tantas outras árvores que compõe esta inigualável paisagem do sul de São Tomé. E como é bom ficar tempos sem fim só a vê-los voar, sempre com a sensação de ser a primeira vez que os vejo, contemplando, assim, a sua liberdade e beleza, que me contagia e torna o dia mais leve. Sigo a sua trajetória e deixo-me voar por dentro desta missão. Deixo-me percorrer por estes caminhos, por estas comunidades, cruzando com quem passa – Bom dia! Como? – E do outro lado há sempre uma resposta – Obrigado. Leve-leve. Ou dois dedos de conversa que muitas vezes passam a uns bons minutos. E assim é voar por Porto Alegre. Onde cada dia é um novo vôo. Onde o primeiro vôo é que vou1, voando cada segundo desta missão.
Vôo pelas histórias que os mais velhos contam com um brilho nos olhos, como quem conta uma história aos netos – ganhei muitos avós aqui, e primos também – e a maioria não se fica só pelas histórias, há muitas vezes uma caneca de café ou um cadinho2 de comida típica da terra para oferecer. Vôo por todas as conversas de que vou fazendo parte, pois todos eles, independentemente das idades, têm algo para contar. Vôo pelas brincadeiras das crianças. Vôo por todas as gargalhadas e silêncios também. Vôo por todas as vidas que partilho nesta terra abençoada. E é na partilha que a missão faz sentido. Ganha uma dimensão imensurável e bonita porque não vôo sozinha, vôo com mais seis falcões. Voamos com experiências, trajetórias e ritmos diferentes, mas o foco é o mesmo – viver a missão em conjunto!
Poder voar de novo em Porto Alegre, é uma dádiva, é uma nova oportunidade para viver mais e melhor a missão que me foi confiada. É poder dar de graça o que de graça recebi. É poder por em ação os meus dons e descobrir os que estavam mais adormecidos. E, o mais importante, poder fazer parte de tudo isto e partilhá-lo com tanta gente.
E é assim que tenho voado este regresso a São Tomé, com muitas histórias que voaram diretamente para o meu coração, e que por lá vão permanecer de uma forma bem especial.
Sofia Cabral
Porto Alegre, São Tomé e Príncipe, 2019-2020
1Expressão santomense em situações em que se quer avançar com alguma decisão sem hesitar.
2Um bocado.