Porto Alegre Praia

É em Porto Alegre Praia que tantas vezes me perco nesta arte de observar a vida a acontecer. E a mim é me simplesmente pedido que desfrute do privilégio que é servir nesta comunidade.

Ao longo deste ano de missão já passei incontáveis horas dos meus dias na Praia de Porto Alegre, a zona piscatória em que vive parte da comunidade de Porto Alegre, no sul da ilha de São Tomé. E foi lá que encontrei uma paz sem igual, mesmo no meio de toda a confusão e algazarra que todos os dias abraçam esta rua. Descreveria como a zona com mais agitação de todas as comunidades que servimos no sul de S. Tomé. Isto porque por aqui a vida acontece todos os dias e a todas as horas do dia.

E é lá que muitas vezes trabalho a minha arte de esperar, típica de qualquer missionário por estes lados. Mas também é lá que tantas vezes encontro as amizades que arrancam sorrisos e conversas.

Curiosamente foi a última comunidade que conheci quando aqui cheguei em missão, apesar de a maioria dos jovens com quem trabalho serem de Praia. Foi com mistério e excitação que atravessei esta rua pela primeira vez, num desconhecido barulhento que me intimidou.

Mas rapidamente recordo que este é o ADN inconfundível desta comunidade de pescadores. E é assim que eu desejo que continue a ser.

Hoje decidi ir mais além nesta minha visão da comunidade e perguntar ao Maikson, um dos pescadores locais e com quem trabalho no Centro Cultural Comunitário de Porto Alegre, o que acha desta sua casa.

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Maikson não nasceu aqui, mas é aqui que hoje chama de casa, onde já vive desde 2008 e onde aprendeu a pescar por saber que “quando vimos temos de nos adaptar à realidade daqui”. Por aqui os dias variam caso seja época de chuvas, em que a pesca é apenas à noite, ou na época seca da gravana, altura em que o dia do pescador pode começar às 4 da manhã. Mas a agitação é sempre a mesma, seja qual for a época.

Normalmente o pescador tapa as redes durante a manhã e depois deixa a vida a acontecer. E a vida acontece nos jogos de cartas, nas tardes sentados nos barcos na conversa e nos expedientes que vão surgindo com os amigos.

E o Maikson contou-me como gosta de viver aqui, porque é bom e é fácil conseguir as coisas: os campos dão as bananas, a matabala¹ e a mandioca, pesca o peixe do almoço e a vida corre bem, mesmo com pouco dinheiro no bolso.

E esta conversa deixou-me a pensar quantas vezes já contemplei esta rua. Quantas vezes aqui me sentei apenas a observar. Os barcos que vão e vêm, os pescadores a coserem as redes, as crianças na rua, a vida a acontecer sem eu entrar nela. Mas também quantas vezes já fui parte dela. No encontro, nas conversas, nas travessias apressadas para encontrar alguém, nas frustrações de uma reunião falhada, de um encontro perdido ou de um dia cinzento e sem a beleza da contemplação do sol e do mar.

Mas foi aqui que, afinal, encontrei a paz na confusão do falar alto enquanto se joga às cartas, das crianças a correrem e brincarem, dos pescadores a chamarem alguém e dos motores dos barcos a partirem.

E descobri que em tudo isto há a beleza da contemplação e esta ninguém a tira.

 

Diana Peixoto
São Tomé e Príncipe – Porto Alegre, 2021-2022

 

¹ Tubérculo parecido com batata.