Por mim, por ti, por nós. Fica em casa.

Parece que o isolamento provocou uma mudança dentro de nós. Finalmente tive aquela videochamada que andava a adiar há tempos. Finalmente arranjei tempo para ler aquele livro, que estava na mesa-de-cabeceira há meses.

Há uma frase, desde que, iniciei a formação dos Leigos para o Desenvolvimento e, mesmo em missão, que vou ouvindo várias vezes, e até, eu própria já a disse. Em mais de 30 anos de missões, de certeza que já aconteceu tudo o que podes imaginar.

Pois, surge o dia em que digo, isto nunca aconteceu. Nenhum de nós imaginaria que estaríamos perante uma III Guerra Mundial e que o inimigo seria algo invisível, que entraria nas nossas vidas sem grandes sons de tanques ou bombas, e que passaria fronteiras sem avisar. Que atingisse pessoas sem ligar a géneros, idades, extrato social, poder, e que fizesse à maioria de nós, ficarmos privados de um bem e um direito tão importante como a liberdade de movimento.

Este isolamento social faz-nos ver que passamos a vida a dar valor às coisas supérfluas, ao consumismo, e que, muitas vezes, nos esquecemos que essas coisas são, a grande maioria delas, desnecessárias. Percebemos hoje, que um abraço demorado, um pôr-do-sol à beira-mar, e que poder olhar e apreciar uma bonita vista, são coisas que damos por garantidas, e às quais, deveríamos dar mais valor e agradecer todos os dias por podermos vivê-las.

Hoje, enquanto escrevo, penso o quanto daria por cumprimentar todas as pessoas no final duma missa dominical, por um passeio à beira-mar na Costa de Caparica enquanto assisto a um pôr-do-sol, por um momento a apreciar a vista sobre Lisboa, sentada à beira-rio em Cacilhas.

Mas, mesmo, nos momentos de provação, de sacrifício pelo bem comum, de incertezas há momentos que podemos guardar no coração, e no meio de toda a dúvida que esta pandemia nos traz, há uma certeza: é que o amor que une as pessoas, permanece. O amor, a partilha, o dar a vida pelos outros, tudo isto permanece. Vemos em profissionais que continuam a trabalhar no meio do caos, vemos em jovens a oferecerem-se para ajudar os mais idosos, vemos em amigos que trocam mensagens e videochamadas de conforto e vemos em famílias que se desdobram para ter um quotidiano o mais normal possível dentro de casa.

E aqui, em missão, também sentimos este amor. Em todas as mensagens e videochamadas que vamos recebendo, nos momentos de oração, mesmo a maior parte deles sendo digitais, nos abraços à distância com que somos prendadas.

Parece que o isolamento provocou uma mudança dentro de nós. Finalmente tive aquela videochamada que andava a adiar há tempos. Finalmente arranjei tempo para ler aquele livro, que estava na mesa-de-cabeceira há meses. Finalmente fiz aquelas limpezas, que andava a adiar há dias. Finalmente fiz aquela receita que queria tanto experimentar… São tantas as coisas que adiamos, e adiamos, mas podemos aproveitar este tempo de angústia, de dor, de frustração e retirar algo de bom, no meio de todo o caos, e fazer um qa1 nestes finalmente.

Por isso, por mim, por ti, por todos nós. Fica em casa.

Ana Teresa Oliveira
Caparica-Pragal, 2018-2020