Pescadores em terra de missão

Estes dois homens, pescadores e camponeses, numa realidade sociocultural tão homogénea, destacam-se pelo pensar, pela profundidade das suas palavras e pela forma mais ousada de ver. Homens de família, sonham um futuro para os seus filhos.

Em tempos, Jesus convidou os seus amigos a tornarem-se pescadores de homens, e nesta terra de missão, no meio das minhas fragilidades cruzo-me com homens que se fazem pescadores em terra e que me vão mostrando a presença de Deus através dos seus testemunhos de vida. No desconstruir de tantas certezas, vou permanecendo confiada naquilo a que o Senhor me convidou.

Aprendo a caminhar sem pressas, contemplando a beleza que Deus colocou neste lugar ao Sul, e onde tantas vezes se prendem os meus olhos. Percorrendo um destes caminhos, os pés a passo firme pisam o chão pintado pelos diversos tons das folhas caídas, os olhos deslumbram-se por tamanha lindeza e o coração atrapalhado acolhe todas estas sensações. Consigo ainda escutar a história de vida do Juvêncio. Uma história de vida pesada, com um percurso tão longe daquilo que poderiam ser as minhas dificuldades, mas com o seu sorriso discreto fala-me de oportunidades, de superação e de sonhos. Nesta história cabe a sua disponibilidade em trabalhar pela comunidade, a atenção e o cuidado que transporta. A ele, não lhe escapa a minha timidez no começo de missão, o meu posicionamento na retaguarda dos momentos onde procuro encontrar lugar, e num modo atencioso diz-me: “Virgínia, tem de se soltar mais”.

Num outro caminho encontro Aragão António, vejo nele um amigo de longa data, ajudo-o a carregar uma escada, e trilhando conversa, diz-me entre as suas gargalhadas e ironias, “Virgínia, se subir a esta escada não pode ter medo não … a vida é para seguir sem medo, se cair da escada só poderá seguir em frente”.

Estes dois homens, pescadores e camponeses, numa realidade sociocultural tão homogénea, destacam-se pelo pensar, pela profundidade das suas palavras e pela forma mais ousada de ver. Homens de família, sonham um futuro para os seus filhos com melhores oportunidades, reconhecem que o desenvolvimento das suas comunidades passa pelo envolvimento de todos.

Nos projetos que me foram confiados, estes são dois dos vários pescadores de homens com quem faço caminho, e sigo sentindo-me privilegiada por acompanhar e deixar-me acompanhar. Nesta terra de missão, onde é esperado que os capacite, por vezes deixo-me ficar naquela retaguarda, procurando escutar, observar e guardar na minha memória fotográfica o tanto que recebo pelas sua partilhas e opiniões.

Procuro saborear os momentos em que me mostram que é também nas dificuldades da vida que encontramos a alegria de Jesus, e que todos somos convidados através dos tantos talentos que nos foram dados a assumir as redes e tornarmo-nos pescadores em terra!

 

Virgínia Gabriel
S. Tomé e Príncipe – Porto Alegre, 2021