Quando me pediram para escrever um testemunho sobre este tempo de chegada à missão, não me foi óbvio o que escrever porque muito já me foi dado nestes quase dois meses desde que aterrámos em Angola. Pensando no que foi comum ao longo destes dias, percebo tão claramente que tem sido tempo de acolher a presença de Deus nesta realidade e tempo de caminhar até ao mais profundo de mim.
Curiosamente, está a fazer um ano que comecei este caminho com os Leigos para o Desenvolvimento. A formação tinha sido um tempo de me conhecer, de ir desvendando onde preciso e quero crescer, e de confirmar que estar ao serviço com Jesus é para mim fonte de verdadeira Alegria. Por isso é que, reconhecendo a partida como uma oportunidade para mais tempo disto, cá me encontro.
Esta chegada tem sido marcada por um tempo de estar em relação com Jesus, com aqueles que vieram comigo de Portugal – a Mariana e o Roberto –, com aqueles que já estavam por aqui, com aqueles que deixei ficar e que, no meu caso, deixei partir em missão: o Lourenço, meu namorado (que foi enviado para São Tomé). Este estar em relação, tanto com as novas pessoas, que agora se fazem próximas, como com as que já faziam parte da minha vida, que agora estão distantes, tem sido especialmente exigente pelo que tem revelado de mim.
Há momentos para tudo. Há momentos em que me detenho no porquê de certas coisas na vida comunitária me serem mais difíceis do que esperava. Há momentos em que me lembro o bom que é aproveitar coisas simples, como pôr música e dançar ou contemplar as vistas até ao Alto Catumbela. Há momentos em que tomo consciência do modo como quero chegar aos outros e de que também é importante dar a conhecer o impacto que tem a forma como tentam chegar até mim. Há momentos em que me surpreendo com os sonhos dos jovens que acompanho e em que me questiono sobre os meus sonhos. Há momentos em que me detenho no meu caminho mais próximo ou afastado de Jesus. Há momentos de perceber como estar próximo, estando longe, e de aprender que o silêncio também é forma de acompanhar. Tem sido um tempo de me conhecer, estranhar, desafiar e chorar (de tristeza e de alegria). Porque me descubro em cada dia que passa. Parti em missão e aterrei em mim. [RF1] [L2]
Por acaso, ou providência, na manhã em que adiava terminar este texto tropecei na música ‘Estoy hacendo lo que soy’, e que me levou de novo ao que queria escrever:
«Quando se encontra na alma,
A vontade de se amar,
O reflexo no espеlho,
Fica fácil de aceitar,
O tempo torna mais fácil,
A bеleza de errar,
Mas enquanto eu continuo a reaprender e melhorar,
Muito mais gosto do ser por trás do meu olhar’»
Estou certa de que este desafio de chegar ao meu íntimo de uma forma mais crua, pelas poucas distrações que a vida em missão nos permite, é caminho para esta certeza que tinha, e sinto-me confirmada, de que partir em missão é entregar-me. Não quero menos que isso para este ano, e só o poderei fazê-lo inteiramente, sendo e estando também inteira. Este caminho exige tempo, Graças a Deus, que aqui entre as montanhas esse tem-me sido dado.
Inês Barreiros Mota
Ganda, 2023-2024