Num Presépio da Margem Sul

“Por isso aprendo a olhar para a manjedoura como o berço de uma humanidade nova, confirmada na sua liberdade, encorajada a um projeto de plenitude.” José Tolentino Mendonça

Há mais de 2000 anos acontecia em Belém o mais extraordinário dos eventos: nascia Jesus, o Salvador. Talvez ninguém pudesse imaginar que tal acontecimento iria dividir a história em um “antes” e um “depois”, transformando completamente tudo nos milénios vindouros. E torna-se engraçado ver a forma como eu acredito que, à semelhança daquele recôndito lugar da Judeia, também, num recôndito lugar da Margem Sul, continua constantemente a nascer o Salvador.

Gosto de pensar especialmente naqueles pastores que, deixando os seus rebanhos, foram a correr ver um Menino que nasceu numa manjedoura, voltando para a simplicidade das suas vidas, pelo mesmo caminho, mas completamente transformados e alegres por aquilo que tinham visto naquele lugar. Porque é que os pastores saem com esta alegria transcendente depois de contemplar o Menino? Não os salvou, nem tornou a sua vida cheia de riquezas e poderes, mas mostrou-lhes que até da pobreza de uma manjedoura pode nascer o Rei de todos… nesse momento, eles deixaram de ser simples e pobres pastores, dando-se o início de uma nova vida transformada através da esperança.

Também no Monte da Caparica vejo continuamente Jesus a nascer… na simplicidade e na fragilidade deste lugar e das vidas que por aqui passam, vejo brotar a mais surpreendente das esperanças. Por vezes, tal como a vida dos pastores, as coisas não mudam muito, mas há algo “pequeno” que acontece no coração das pessoas que aqui vivem, que as transforma completamente e lhes dá uma alegria pura e transcendente. Estes pequenos “nascimentos de Jesus” são facilmente observáveis no quotidiano do Monte da Caparica quando olho com atenção para a alegria com que as crianças e jovens estão nos diversos espaços juvenis, quando examino a forma como as pessoas cuidam e têm apreço pelas suas hortas, quando sou acolhido na casa de alguém ou recebo alguém na minha casa.

Outra coisa que me encanta nestes pastores é que eles não têm esta fixação louca por ver o final da história, mas celebram o começo da obra inacabada. Acima de tudo, estes pobres de Belém, são capazes de dar espaço ao novo e a tudo o que está ainda por acontecer. Também nesta gente, com quem me cruzo aqui no Monte da Caparica, vejo frequentemente este olhar positivo sobre o que ainda não aconteceu, sobre o que ainda está por vir: na forma como as pessoas vêm e acreditam nas pequenas conquistas do Grupo Comunitário – projeto que acompanho; na esperança existente nos olhos de todos os emigrantes que cá chegam à procura de uma vida mais segura e confortável; na ousadia de todos aqueles que correm atrás dos seus sonhos, não tendo medo de arriscar; nos jovens que acompanho na minha catequese e que têm este desejo de conhecer a Jesus de Nazaré.

Nestes 9 meses de missão tenho aprendido a olhar para o presépio de uma maneira diferente e a perceber que, tal como aqueles simples pastores, neste simples e frágil local onde estou, há muita mais vida para além daquela que conheço.

João Silva
Caparica-Pragal, 2022-2023