Natália, curiosa por aprender e saber mais

Eu passei por coisas difíceis, mas a minha história é praticamente mais bonita do que difícil, mas é lutadora, o mais difícil é mesmo a perda da família muito amada.

Natália Semedo, filha de Cabo-verdianos, nasceu na Roça Milagrosa em S. Tomé, em novembro de 1971. Aí começou uma grande aventura vivida desde sempre com o melhor sorriso no rosto. Aos 2 anos regressou com a família a Cabo Verde, onde cresceu numa aldeia do interior da ilha de Santiago.

Foi impedida de frequentar o 2º ciclo por falta de documentos de identificação, que ficaram por tirar dadaa urgência de sair de S. Tomé, num dos últimos barcos
que de lá partiram aquando da independência.

O caminho traçado era então o de ajudar a mãe nas tarefas domésticas, cuidar do sobrinho e ajudar com os animais que criavam. Aos 18 anos passou a trabalhar fora de casa para auxiliar nas despesas correntes, deixando o sonho de estudar guardado no seu coração.

Em 1993 casou com o Fernando, atual marido, com quem animava o grupo de jovens da sua aldeia. Nas suas palavras: “éramos bons amigos e educávamos jovens na fé”.

Chegou a Portugal em 2001 para se juntar ao marido, onde permanecem até aos dias de hoje. Apesar dos momentos mais difíceis da sua vida lembra que “nunca
teve um bocadinho de desânimo ou um choque de revolta. Sempre enfrentámos as dificuldades com a compreensão um do outro”.

Em Portugal nunca esteve desempregada, antes pelo contrário, chegou a acumular três empregos para assegurar melhores condições à família. Hoje a sua principal ocupação é como cuidadora de idosos de um lar na Cova da Piedade, mas cuida também do restaurante que abriu com o marido e os filhos.

O restaurante Morabeza é a realização do sonho do Fernando, que enquanto chefe de cozinha sempre idealizou o negócio próprio. É aqui que se junta a família quando não estão a trabalhar, para unidos servirem pratos tipicamente africanos como cachupa e moamba.

Apesar de já não viver no Monte de Caparica foi aqui que iniciou a sua jornada por Portugal e onde até hoje frequenta a Paróquia de S. Francisco Xavier. Foi numa missa que os Leigos para o Desenvolvimento (LD) entraram na sua vida, quando o Padre Hermínio, sj lhe apresentou a Marta, uma das voluntárias dos LD no terreno. Tinha recentemente ouvido falar na igreja de um grupo de 3 voluntárias que chegaram ao bairro para aqui desenvolverem projetos de desenvolvimento comunitário e “desde então sempre foi uma alegria” conviver com os Leigos.

Começou por colaborar com os LD no grupo das Mulheres, “que andou muito bem, mesmo com algumas dificuldades como a falta de tempo de participar”.
Aqui estreitou os laços de amizade com as voluntárias no terreno até que, mais tarde e com o incentivo das mesmas voltou ao antigo sonho de continuar os estudos, tendo assim concluído o 9º ano e mais recentemente o 12º ano.

Continuou a colaborar com os LD ao participar na recolha de histórias que deram origem ao projeto “Diários de Um Quotidiano”. Acompanhou ativamente a equipa do MEF – Movimento de Expressão Fotográfica na recolha de fotografias e histórias de vida de pessoas da comunidade. Foi a primeira vez que utilizou uma máquina profissional e uma câmara de filmar. “Eu passei por coisas difíceis, mas a minha história é praticamente mais bonita do que difícil, mas é lutadora, o mais difícil é mesmo a perda da família muito amada.”

Foi entrevistada, juntamente com o marido, sobre a sua horta e agora faz parte das 19 fotografias que completam este percurso. Tem participado neste grupo sendo guia ou partilhando a sua história e a sua vida com aqueles que visitam este percurso interpretativo. “A agricultura é uma paixão que temos desde Cabo Verde e que trouxemos para Portugal e de onde tiramos muito sustento para ajudar a família. Trocamos as folgas de prazer pelo trabalho de campo e sentimos bem ali”.

 

Diários de um Quotidiano, Caparica, Pragal, Fotografia participativa

Conta ainda que a sua vida seria diferente sem os Leigos, “seria muito fechada, apenas ir casa-trabalho-casa. Faltavam coisas porque eu sou curiosa para aprender e saber mais, e com os Leigos consegui.” Uma das coisas que mais gosta é de conhecer as histórias dos outros. “Algumas pessoas não conhecia e conheci e não sabia as suas histórias. Eu conto a minha história emocionante, mas há aqueles que contam histórias mais emocionantes, como o Sr. Mavungo. Pessoas que passaram por coisas muito difíceis. Eu passei por coisas difíceis, mas a minha história é praticamente mais bonita do que difícil, mas é lutadora, o mais difícil é a perda da família muito amada”.

Natália sonha com o regresso dos netos a Portugal para, com saúde a alegria, os ver crescer.