“Quinté glândji” significa quintal grande, em forro. Mais do que uma expressão, é um modo de vida muito típico em São Tomé. O quintal é normalmente um espaço rodeado por várias casas, da mesma família, onde acontece toda a dinâmica diária, onde se cozinha e se come, onde se trança cabelo e se conversa, onde as crianças brincam e tomam banho, onde se bebe vinho da palma e se faz negócio de qualquer coisa que a terra deu a mais.
Foi neste ambiente de quintal, que nasceu Simoa da Silva Alves de Carvalho, a 28 de janeiro de 1963. A mais nova de 7 irmãos, desde cedo começou a ajudar nas tarefas de casa, e lembra como “quando era mais nova a vida era melhor! Havia de tudo, em todo o lado, e todos ajudavam.” Cresceu no seio de uma família humilde e muito unida, o seu pai e tios eram estivadores, enquanto a mãe fazia azeite da palma e cuidava da casa. Estudou até à 6ª classe, e com 15 anos começou a trabalhar “em casa de pessoa”.
“Toda a minha vida eu trabalhei, todos os dias!” E quem a conhece, reconhece-lhe esta força de trabalho, este espírito que não cansa, mas que descansa quando ajuda quem tem próximo.
Aos 18 anos foi mãe pela primeira vez. Depois do primeiro, veio outro filho, e depois outro. Tinha 22 anos quando o seu marido viajou, e ela ficou sozinha com os 3 filhos pequenos para criar. “Nesse tempo lavava roupa para 12 pessoas! Era muito trabalho!” e não tinha quem ajudasse. Levantava-se, preparava os meninos para a escola, e seguia para o rio onde ficava a lavar, tantas vezes das 7h às 17h.
A vida da Moa, como todos lhe chamam, tem como sons de fundo a roupa molhada a bater na pedra, o crepitar da lenha que arde a aquecer a panela, o raspar da vassoura de andala no chão, as crianças a rir e a brincar ali perto.
Hoje, mora ainda no quintal que a viu crescer, na casa dos seus pais, e que comprou aos irmãos. É cantineira de profissão, numa escola primária próxima da Boa Morte. Apesar do peso das grandes panelas que lava, gosta do que faz porque “dá para divertir”. Além disso, não passa uma semana em que não faça açucarinhas ou doces de coco (doces típicos santomenses) para vender na quitanda de uma amiga na estrada principal, um extra para chegar melhor ao fim do mês e para poder ajudar os filhos quando precisam.
Sobre os dias mais pesados disse, quase em tom de conselho: “Nem tudo o que se vê é para falar. Às vezes temos que saber calar, não podemos estar sempre a queixar.” Mas quando lhe perguntei se é feliz, ela respondeu que sim, sem hesitar, e que agradece a Deus por tudo. “Todos os dias levanto e rezo para pedir a Deus o pão de cada dia. E ele dá! Peço para toda a gente, não peço só para mim.” A sua verdadeira força, brota de dentro do seu coração, da sua fé e do orgulho que tem nos seus filhos.
Quando pedi aos seus netos para falarem da avó, que muito timidamente partilharam que gostavam de a ver cozinhar, e do cuidado que tem em dar-lhes sempre alguma coisa quando vão para a escola sem lanche, percebi: a Moa é para todos um exemplo de bondade, de força, de trabalho. A Moa é um exemplo de amor.
Inês Sampaio
São Tomé e Príncipe, 2020-2022
