Desde que estou a viver em Vila Malanza, no sul de S. Tomé e Príncipe, que o tempo tem passado por mim sem sequer cumprimentar, no entanto, vejo o seu rasto em tantas coisas. Não consigo determinar o instante exato em que aconteceu, mas posso afirmar que as pessoas que dançavam na rua no dia em que cheguei já não são apenas figuras indistintas, são vizinhos, amigos, conhecidos…
Recordo perfeitamente quando, já de noite, entrámos pela primeira vez em Vila Malanza e já se ouvia o baixo a reverberar pela chapa do carro, de tão elevado o volume da música na “discoteca”. Lembro-me de ficar levemente assustada e pensar “nunca vou descer à rua de noite” (em retrospetiva, era impossível manter esta promessa durante um ano).
Durante a primeira semana tinha a ideia que Malanza de dia e de noite eram dois sítios completamente distintos, as pessoas mudavam e o ambiente também mudava… Pensava que nunca iria dançar kizomba, muito menos na rua. Se me dissessem que passados dois meses já iria saber o nome e família de todos aqueles que vi nessa primeira noite, acho que não teria acreditado.
Nestes meses vim a conhecer cada pessoa, a criar laços e relação com essas mesmas pessoas que dançavam e se divertiam no final de um dia de trabalho. É impossível determinar o instante em que alguém passa de conhecido a amigo, de vulto a “aquele ali parece-me o Leo”. No entanto, foi isso que foi acontecendo.
Na dança é preciso aprendermos a deixar-nos levar, a “confiar só” e deixar que nos guiem. «Leve leve, confia só». É um exercício difícil de fazer, se até na dança quanto mais no trabalho, no dia-a-dia. Não obstante, foi isso que me trouxe a S. Tomé, deixei-me guiar pela vontade de Deus. Sei que muitas vezes me distraio e me engano nos passos, que me esqueço de que é Deus que me guia e acabo por Lhe pisar os pés. Sei também que consigo aprender novas coreografias e esquemas que antes não aguentaria. Ao olhar para trás já consigo sentir este crescimento.
Às vezes é mesmo difícil compreender porque é que não podemos ser nós a controlar tudo, e estando em missão ainda mais difícil é controlar tudo. «Leve leve, confia só». Assim na dança como na missão.
Malanza é a mesma de manhã, à tarde e à noite, quando se ouve o som do mar ou quando se ouve a voz do Gerilson Insrael pelas colunas do Nelito, Malanza é a mesma e as pessoas são as mesmas. Assim também sou a mesma que era antes de vir, no entanto, também sou mais e mais me hei-de tornar.
Teresa Raposo
S. Tomé e Príncipe, 2019-2020