Quando somos pequenos, nas bandas desenhadas e nos desenhos animados, conhecemos a coragem como a virtude dos super-heróis, daqueles com capas e super-poderes. Hoje, aqui em missão, sinto-me mais pequenina do que nunca – pela grandeza do que vou vivendo – e vou conhecendo a coragem como a virtude dos que têm a ousadia de tirar todas as capas que mascaram a fragilidade; dos que, aceitando que não têm todos os poderes, confiam, entregam-se, dão-se.
Oiço muitas vezes a expressão “só coragem!”, e grandes lições tenho aprendido sobre a coragem, aqui em São Tomé. Parece-me que a coragem tem a ver com ser o que se é, assumir os dons e as fragilidades, mais do que ter uma identidade secreta, como o Clark Kent. Tem a ver com a decisão de construir relações; de ir ao encontro dos outros e ser ponto de encontro; de acolher e ser acolhido – mais do que com o simplismo de separar os bons, as vítimas e os vilões. Tem a ver com a capacidade de sonhar, de não desistir, de se deixar crescer. Tem a ver com o perdão e a verdade; a generosidade e a aceitação da fragilidade.
E tenho tido grandes mestres para me ensinar estas lições de coragem. São heróis, sem capas, sem máscaras. São heróis corajosos, porque têm medos, mas não deixam que sejam estes a tomar as suas decisões. E são tantos, que estarei a ser injusta ao deixar aqui só alguns exemplos.
A Estela, com os seus 7 anos, tem a coragem de falar e dar a sua opinião nas reuniões do Grupo Comunitário da Boa Morte, rodeada só de gente adulta, e o Wander tem a coragem de ir ao encontro das famílias vizinhas, para as poder representar melhor nessas mesmas reuniões. A Tina decidiu abrir uma quitanda e a Ana, com a ajuda do Nazaré, reconstruiu a sua. A Josefa, mãe dos 4 filhos que cuida com tanto amor, trabalha 12h durante o dia e estuda à noite; e o Tadeu trabalha, estuda e serve a sua igreja, sempre com uma dedicação rara. O Mário e o Eurico arranjam sempre forma de se disponibilizarem e envolverem nos sonhos da comunidade e o Geane serve a comunidade com uma disponibilidade maior do que a de tantos que lá vivem. O Sr. Gervásio tem o arrojo de procurar viver sempre segundo a verdade e é verdadeiramente exigente na procura do Bem comum e a Virgínia aventurou-se numa formação para conseguir um trabalho que a realiza profundamente. A Mimi acolhe todos em sua casa e não desiste da possibilidade de levar a missa à capela da Boa Morte e dinamizar a catequese. A Mila atreve-se a viver alegre independentemente das circunstâncias e a Elsa sabe transformar a dor em cântico de louvor. O Mauro trabalha para poder, um dia, estudar na faculdade e a Luísa não se resigna com a hipótese de que a idade seja um fator que a impede de ter um trabalho na área em que se formou. Em casa, todas as voluntárias LD com quem tenho a graça de partilhar a missão têm a coragem de investir na construção da comunidade, de acolher e ser acolhidas, cada uma naquilo que tem de dom e de frágil.
A lista é interminável. E o mais incrível é que ninguém lhes garante que a história acabará como querem; mas confiam que acabará bem, porque vai sendo bem vivida. Assim, o final, seja ele qual for, também será bem vivido. Com coragem. “Só coragem!”
Mariana Viana Baptista
São Tomé e Príncipe, 2020-2021