“Eu continuaria a jogar!”

Quando é mais difícil olhar de frente o jogo, ele vive na certeza de ser cuidado e olhado, e continua a jogar.

Já não sei onde ouvi esta história mas tem-me vindo à memória muitas vezes por isso achei apropriado para este tempo de contínuas incertezas e tantas mudanças.

Diz-se que São João Bosco dirigindo-se a uma criança fez a seguinte pergunta: “Se soubesses que daqui a meia hora ias morrer, o que farias?”. A criança respondeu com naturalidade: “Eu continuaria a jogar!”.

Que liberdade desconcertante! Que confiança e humildade admiráveis!

Neste tempo de pandemia tenho tido dificuldade em perceber como estar ao serviço sem o contacto, sem a tranquilidade de poder estar verdadeiramente. Sinto falta do afeto que só se vê sem máscara, dos acasos nos encontros inesperados, da certeza de que se é pequeno demais para prender a vida.

Tenho em mim muito espaço para crescer e hoje falta-me a confiança despreocupada da criança que sabe que onde está é exatamente onde tem de estar, na exata circunstância e contexto.

Aqui no Monte da Caparica existem resquícios do “leve, leve” de alguns países de África e de certa forma vivem também a sabedoria de saber continuar a jogar como a criança.

Aqui no Monte da Caparica há tanto a aprender… E já é tão casa!

Pode acontecer que a urgência de querer ser livre pode acabar por nos prender? Quero ser livre do medo, da ideia de querer controlar tudo, da validação dos outros…mas não será livre aquele que tenta encontrar alegria na própria realidade, na cruz, no jogo?!

Que riqueza é saber-se assim amado e seguro. Que alegria deve ser saber-se incógnito e ao mesmo tempo profundamente visto.

O Carlos veio da Guiné e está cá sozinho há 5 anos. Por entre todas as inúmeras dificuldades que um jovem imigrante pode sentir num país estranho, ouço-o várias vezes dizer “Deus cuida! É destino.”.

Quando é mais difícil olhar de frente o jogo, ele vive na certeza de ser cuidado e olhado, e continua a jogar.

Este ano será com toda a certeza um tempo de transformação, descoberta e aceitação.

Tenho à minha volta muitos testemunhos que ajudarão a nortear e a desenhar este ano desafiante por isso vivo na esperança de poder vir a dizer: “Eu continuaria a jogar!”

Sara Costa e Silva
Caparica-Pragal, 2020-2021