“Estrela “da Boa Morte

A Estela tem 6 anos. Mora mesmo lá ao lado e um dia apercebeu-se da nossa presença. Entrou na reunião devagarinho, quase sem ser notada, e ficou lá a ouvir, sossegada, os assuntos dos crescidos.

No Bairro da Boa Morte trabalhamos com vários grupos: o Grupo Comunitário, o Grupo de Comerciantes, o Grupo de Tchiloli*, a Associação de Moradores, entre outros. E, como em todos os grupos, é preciso haver reuniões para os projetos avançarem. O sítio por excelência onde a maior parte destas reuniões acontece é no CIC (Centro de Informática Comunitário – projeto dos LD em parceria com a Associação de Moradores). É lá também que acontecem formações, workshops, seminários, etc.

O CIC fica no cimo do Bairro da Boa Morte. Há dias em que lá chegamos para uma reunião ou formação, esperamos, mas não aparece ninguém. A falta de assiduidade e compromisso é um problema que enfrentamos nos nossos grupos, e com o qual vamos aprendendo a lidar da melhor forma.

Mas hoje venho falar-vos da Estela. A Estela é o membro mais assíduo das reuniões e formações que acontecem no CIC. E tem 6 anos. Mora mesmo lá ao lado e um dia apercebeu-se da nossa presença. Entrou na reunião devagarinho, quase sem ser notada, e ficou lá a ouvir, sossegada, os assuntos dos crescidos.

Desde aí que, sempre que acontece alguma coisa no CIC, a Estela marca presença. Quando há reuniões, senta-se numa das cadeiras a ouvir. Quando há formações, leva o caderno e tira apontamentos do quadro, na sua caligrafia de 1º ano. Sabe estar séria e concentrada quando é ocasião disso, mas também sabe brincar, como criança que é. No fim faz sempre um desenho no quadro. Diz que gosta muito de matemática e quando for grande quer trabalhar num banco. Faz sempre os trabalhos de casa, brinca com o irmão mais novo, ajuda a mãe e a avó em casa e vai todos os dias apanhar água.

Há duas semanas atrás ia haver uma formação no CIC, que não aconteceu, por não terem aparecido participantes. Excepto a Estela. O que poderia ter sido uma manhã desperdiçada transformou-se numa manhã divertida em que estivemos a jogar jogos, a fazer teatros, a aprender músicas e coisas da cultura santomense que a Estela nos ensinava. Noutra tarde em que não houve reunião, fizemos desenhos no quadro do CIC, ensinámo-la a fazer claves de sol e as linhas de uma pauta, conversámos, cantámos…!

A presença constante desta miúda de 6 anos, para além do exemplo de persistência e fidelidade, faz-me sentir que não fui em vão. Mesmo que as coisas não aconteçam como planeámos, mesmo que os resultados não sejam os que esperávamos, a nossa presença faz a diferença. Nem que seja numa só pessoa. E é isto que me faz voltar sempre.

Carmo La Cerda
S. Tomé e Príncipe, 2018-2019

 

*Tchiloli – manifestação cultural típica santomense que consiste na representação de uma peça sobre o Marquês de Mântua.