Contemplar o que vivo e abraço.

Chego a casa, e aí abrimos os braços para partilhar e conversar (e fazemo-lo a sorrir) sobre o dia que passou. E tudo isto acontece com umas tonalidades que aquecem e te fazem entender que já escolheste qual paisagem a guardar “no dentro”.

O pôr do sol nesta terra tem-me deixado com dúvidas. Confesso que fico com alguma dificuldade em escolher qual a melhor paisagem para guardar cá dentro. Se onde vejo o sol a escapar-se por detrás das palmeiras, meio escondido entre as nuvens, a deixar rastos de diferentes cores no céu, ou se opto pelo lado em que olho e vejo os raios, do mesmo sol que se deita, a iluminarem as casas de Vila Malanza, no sul da ilha de S. Tomé e Príncipe.

Casas, de madeira e chapa colorida, onde começam a sair fumos brancos, do jantar a ser preparado pelas mães e mulheres. Raios que colocam aquele tom alaranjado nos rapazes a jogar futebol à beira mar, nas crianças e jovens a dar o mergulho de final de dia, brincando na areia e nas ondas do mar. Pedaços de sol que iluminam as pessoas que tranquilamente chegam a suas casas pelo areal, refrescando os pés depois de um dia inteiro no campo… Perceber que tudo isto parece só um cenário mas que, na realidade, eu faço parte dele, é realmente privilégio!

Eu posso passear neste areal, ir dar um mergulho e de repente ter 20 crianças a meu lado a desfrutar do mesmo momento. Posso caminhar até casa, ouvindo a música que começa a tocar na rua, e ir sentindo os diferentes cheiros do jantar dos vizinhos. Chego a casa, e aí abrimos os braços para partilhar e conversar (e fazemo-lo a sorrir) sobre o dia que passou. E tudo isto acontece com umas tonalidades que aquecem e te fazem entender que já escolheste qual paisagem a guardar “no dentro”.

É uma bênção viver nesta imensidão de natureza, poder ser rodeado por este mar e por este verde de tantas tonalidades. Mato, mato! Que tudo pode dar, fruta-pão, coco, jaca, bananas, mandioca, sombra e proteção – agarras uma folha de bananeira, faça chuva ou sol e apercebes-te que não há melhor para te deixar seco, ou para te proteger  ao longo do caminho da força dos raios do sol. E de todos os lados, mar! Mar que alimenta, sustenta o corpo e dá alento à alma, com o som das ondas e em cada mergulho acompanhado.

Viver aqui, para além de contemplar o que existe, podemos senti-lo, e concretamente vivê-lo.

E aqui, sinto e vivo como graça os “abraços”. Abraços que são dados e recebidos de forma sempre tão diferente. Por vezes bem genuínos, automáticos e histéricos até. Uns que se dão porque só apetece dar, tocar e acarinhar (confio que seja amar). Outros por cansaço e conforto. Outros meio tímidos, meio sem saber como é isso de aceitar que o outro me toque. Muitas vezes não chegam sequer a estender a mão,  só depois quando já demos uns passos em sentido contrário e nos voltamos para trás, lá estão umas mãos estendidas no ar, a dizer aquele adeus de longe. E quando, por livre e espontânea vontade, já são os braços deles a rodear-nos fico feliz, agora sim sentimos juntos vontade de abraçar e fazemo-lo porque nos consideramos amigos.

É no abraço com estas pessoas, neste entrelaçar das relações e de momentos, que muitas vezes encontro Deus. Encontro-O hoje, no Dani que se esconde quando me vê (e não me abraça), na Nha Candinha que fala crioulo comigo (de mão no meu ombro) como se eu a entendesse na totalidade, na Luísa que me olha com ternura e me abraça assim mesmo, ou no Riva com o seu jeito humilde, a sua amizade e forma de cuidar (que agora já abraça)… Encontro-O onde e com quem vivo. Por vezes não O vejo de imediato, é certo que O tento procurar, mas nem sempre O descubro. Mas desejo que um dia O possa simplesmente encontrar, sem dar conta que O procurei, que me seja tão natural assim como é o “abraçar só”.

Maria Lagos
S. Tomé e Príncipe, 2019-2020