Colher frutos que não plantei 

Estar em missão nesta ilha é sentir o peso que tem esta história e sentir-me grata por poder fazer um pouco parte dela. É sentir, todos os dias, que estou a colher frutos que não plantei!

“Que estranho é ser-se esperado e desejado por quem nunca vimos, por quem não nos conhece. Porquê? Esta é uma das grandes obras dos Leigos para o Desenvolvimento. Não são a Matilde, o Duarte, a Joana e a Diana que estão a chegar. São os Leigos, os novos Leigos” (Duarte Valle de Castro, Em Timor – histórias de um casal em missão)

Falar de São Tomé e Príncipe é falar da primeira missão dos Leigos para o Desenvolvimento. Há 35 anos abriam-se as portas da casa da Madre Deus, a casa dos Leigos, a minha casa. Era formada a primeira comunidade. Hoje apanho boleia de pessoas que ainda recordam esses tempos e me vão dizendo nomes, na esperança que os conheça e possa mandar notícias.

Comentamos ao jantar como era bom que estas paredes falassem porque de certeza teríamos histórias para nos ocupar durante muitos serões. Na nossa sala, como em muitas das casas dos LD, temos um painel com fotografias de todas as comunidades de voluntários LD que passaram por São Tomé. Muitas vezes, apanho-me distraída a olhar para estes rostos. Não conheço a maioria, mas em muito lhes estou grata. Estar em missão nesta ilha é sentir o peso que tem esta história e sentir-me grata por poder fazer um pouco parte dela. É sentir, todos os dias, que estou a colher frutos que não plantei!

Os LD são uma ONGD, católica, que trabalha para o desenvolvimento integral e integrado em países de língua oficial portuguesa. Lembro-me de dizer algo parecido com isto durante a formação que antecedeu a partida em missão. Hoje, depois de 8 meses de missão, sei que os Leigos para o Desenvolvimento são muito mais que isto, pela sua forma de trabalhar, de estar e de se dar, marcam as comunidades por onde passam. Fazem parte do seu dia-a-dia, entram em suas casas, sentam-se à mesa, participam nas suas discussões, dão e recebem.

Muitos voluntários leigos passaram por aqui e viveram a sua missão em várias comunidades. Hoje, quando passamos pela cantina social de Água Izé, onde o Miguel trabalhou com os LD e ainda faz parte da equipa, somos recebidas de braços abertos, com o sorriso e a alegria de quem revê um velho amigo. Em Porto Alegre, sempre que veem o nosso carro por aqueles lados, perguntam se vimos para ficar. A missão de Porto Alegre fechou há pouco tempo e calculo que sejam as saudades e as muitas recordações ainda frescas que deixam, por exemplo, a Sílvia comovida no fim de uma pequena conversa ao almoço. Mesmo no Bairro da Boa Morte, quando cá cheguei, recordo que me foram abertas portas, não porque era a Inês, mas porque era mais uma voluntária leiga que vinha. Aqui “herdamos” amigos! E somos queridas por pessoas que ainda não nos conhecem.

Estar em missão em São Tomé é, pois, reconhecer que sou uma pequena peça nesta organização composta por tantas pessoas, com uma história já antiga e que, uma das muitas graças que advêm de ser LD é também poder colher frutos que não plantei.

Inês Milagres
São Tomé e Príncipe, 2022-2023