Angola é intensa de se ver, sentir e viver

Aqui sinto-me pequenina diante de inúmeras demonstrações diárias de pura generosidade, amor e entreajuda. Pisei esta terra há apenas um mês e já me deu tanto, sem eu ainda ter sido capaz de nada dar.

Angola é intensa e dura de se ver, sentir e viver. Tudo se apresenta demasiado verdadeiro e próximo.

Essa dureza tem moldado o meu olhar e coração de forma subtil e profunda. Aqui, onde a pobreza é demasiado dura e crua, descobri uma beleza inesperada. Ao percorrer as estradas da Ganda, em Angola, vejo crianças felizes a transportarem durante longas distâncias banquinhos para irem às aulas e ao visitar as praças onde mamãs vendem o que recolhem na lavra, após muitos quilómetros e horas de trabalho, vejo sorrisos e alegria. Esses olhares de resiliência, coragem, esperança e fé, desconstroem-me e emocionam, por confirmarem a presença constante de Deus no dia-a-dia da comunidade.

Neste início de missão, sinto-me muito pequenina e em constante aprendizagem. Este país pede-me tempo e silêncio para, junto de Deus, conseguir descansar, refletir, compreender, aceitar, integrar tanto e tudo o que já vivi. Ensina-me a viver o presente, cada momento, a aceitar e agradecer a vida exatamente como ela nos é oferecida por Deus, com confiança e entrega.

Na Ganda e no Alto Catumbela tive o privilégio de, pela primeira vez na vida, estar diante a maior demonstração, real, genuína e sincera, de fé cristã que já assisti. As eucaristias foram os momentos marcantes do mês. Centenas de pessoas, de todas as idades, reúnem-se durante três horas, sob um sol abrasador para partilhar e celebrar a sua fé em comunidade. A fé é cantada e dançada com uma alegria e entusiasmo comoventes.

Aqui sinto-me pequenina diante de inúmeras demonstrações diárias de pura generosidade, amor e entreajuda. Pisei esta terra há apenas um mês e já me deu tanto, sem eu ainda ter sido capaz de nada dar. Todos os Padres e Irmãs, desde o primeiro dia, têm sido incansáveis para nos fazer sentir amadas e em casa, preenchendo os nossos dias com sorrisos, abraços, cânticos, danças e comida para celebrar a nossa chegada e permanência. Aqui recebe-se muito de forma simples, intensa e sincera. Aprendemos a saber receber o amor do outro, a deixarmo-nos ser amados e cuidados sem nada ter que retribuir de imediato. Aqui vivemos em comunidade, partilhando sem esperar nada em troca e dando o pouco que temos, percebendo que é na simplicidade que somos verdadeiramente amados e felizes.

A caminho do Alto Catumbela ao cumprimentar as pessoas com quem me vou cruzando, à resposta ao meu “Bom dia!” recebo sempre um olhar que brilha e sorri e um “Obrigado!”. Estranhei esta resposta constante, mas hoje percebo que são gratos por cada gesto que entregamos, como forma de agradecimento por se sentirem vistos, reconhecidos e amados, pelo facto de os olharmos nos olhos e saudarmos a vida de cada um. É um povo que nos ensina a ser genuinamente gratos, na simplicidade e humildade. Só posso sentir gratidão no coração, por tanto e por tudo o que Angola já me deu num mês e por me ter sido confiada esta missão, este p​aís e estas pessoas.

 

Catarina Teixeira
Ganda, 2022-2023