Cheguei a São Tomé dia 20 de fevereiro. Passou pouco mais de 3 meses e maravilho-me todos os dias com tanta beleza que aqui encontro. Num lugar desprovido de tantas coisas que aos nossos olhos seriam essenciais, encontramos uma riqueza muito grande na forma como se vive. Que fácil é chegar aqui e ser simples e desprendida das coisas que deixei. Sinto-me uma privilegiada e sou muito agradecida a Deus por poder viver neste lugar.
Hoje falo-vos da minha rua. A minha rua é mágica! A minha rua fala muito sobre este lugar, sobre estas comunidades, sobre esta Missão que Deus me convida a viver.
A minha rua é um lugar de simplicidade e despreendimento.
Simplicidade e despreendimento nas casas onde se vive, maioritariamente de madeira. Na dificuldade em aceder a necessidades tão básicas como água e eletricidade. Nas exigências sobre a realidade e nas ambições que se vão construindo para o futuro. No estilo de vida assente apenas no necessário.
A minha rua é um lugar de encontro.
Encontros esperados, mas sobretudo inesperados. Entre aqueles que trazem peixe fresco para vender e aqueles que vêm comprar búzio do mar para petiscar. Entre aqueles que vêm beber uma Rosema, a cerveja nacional, ao Nelito¹ e aqueles que vêm dançar ao som da playlist mais ouvida nesta ilha. Entre aqueles que vêm ver a novela a partir da estrada e aqueles que vão lavar roupa para o rio. Na minha rua todos sabem que vão encontrar alguém.
A minha rua é um lugar de criatividade.
Criatividade sobretudo das crianças que arranjam sempre uma nova brincadeira para fazer, construindo os seus próprios brinquedos, carros de madeira e fisgas, barcos e rodas…e também as suas jangadas e pranchas de madeira para ao fim do dia irem brincar nas ondas do mar, todos os dias com a mesma alegria.
A minha rua é um lugar de liberdade.
Dos jovens que jogam futebol na praia. Das crianças e jovens que dançam na rua. Das crianças que brincam na água, umas com as outras, de forma totalmente genuína. E andam sozinhas ou em grupo pela rua com uma independência tão invulgar noutras paragens.
A minha rua é um lugar de paciência na espera.
Quer seja por uma refeição que foi para o lume às 7h e só saiu às 18h, quer porque chegou uma tempestade que veio para ficar. Aqui vive-se o presente sem pressas, sem antecipar o que ainda não veio, saboreando o momento e confiando na Providência.
A minha rua é um lugar de Deus, não tenho dúvidas disso! Que riqueza tão grande encontro nesta forma de vida. Sou sem dúvida uma privilegiada por poder servir Deus neste lugar de beleza.
Inês Rocha e Mello
São Tomé e Príncipe, 2021
¹ Pequena casa comercial em Malanza que é o ponto de encontro principal da comunidade