A minha oportunidade nesta vida

16 anos depois, Humberto confessa: «Hoje sei que, se me tivesse deixado assustar por essas histórias e tivesse ido para outra escola, teria perdido a minha oportunidade nesta vida! ...»

Moçambique, ano 2000, numa aldeia da Angónia… Quando os pais lhe disseram que iria estudar em Fonte Boa, longe de tudo e todos, para aí concluir o 2º ciclo do ensino primário, o Humberto ficou «tudo menos excitado com a ideia». Deixaria a segurança da sua casa para ir viver com estranhos num internato do qual ouvia contar «horrores»: a obrigatoriedade de acordar às 5 da manhã e o invariável feijão às refeições contavam-se entre os relatos menos maus…

Mas, 16 anos depois, confessa: «Hoje sei que, se me tivesse deixado assustar por essas histórias e tivesse ido para outra escola, teria perdido a minha oportunidade nesta vida! É verdade que Fonte Boa se revelou tudo o que tinha ouvido contar, mas a Missão tinha muito mais para oferecer…»

Humberto recorda como o contacto com os Leigos para o Desenvolvimento foi determinante para alterar o rumo previsível do seu futuro: voltar à enxada da sobrevivência, na machamba da família, assim que terminasse o ensino básico. Mas encontrou na Missão projetos e professores-leigos que lhe proporcionaram ferramentas para gizar outro futuro. «O primeiro contributo que os LD deram à minha vida foi uma bolsa de estudos que cobria as propinas de internamento e o material escolar.» Graças aos apoiantes em Portugal, a bolsa de estudos permitiu-lhe concluir o ensino primário e prosseguir até o secundário na Missão.

O segundo e mais decisivo contributo no seu percurso foi a biblioteca que os LD geriam em Fonte Boa. O Humberto passava aí as tardes, absorto na leitura. Primeiro, na companhia de Asterix, Donald, Lucky Luke. Ler afastava a sombra das saudades de casa. «Mas depois veio o interesse pelas palavras que acompanham as gravuras; a seguir, o sussurro misterioso de Dick Haskins, na prateleira ao lado, tornou-se irresistível […]. Quando finalmente saí de Fonte Boa, o único local do qual sentia saudades era a biblioteca.» Foi aí que, durante 5 anos, o Humberto viajou pelo mundo e foi sendo formado por mestres zen e iluministas, por filósofos empiristas e racionalistas. «Com eles aprendi, fundamentalmente, que há necessidade de aprender e estudar mais, até que finalmente… vejamos.» Foi aí, nessa remota biblioteca da Angónia, que nasceu o seu amor pela Filosofia, pela História e pela Literatura. Foi aí que, encorajado pelos Leigos para o Desenvolvimento, percebeu que o rumo da sua vida teria de mudar: trocar a enxada pela caneta. E sonhar mais alto!

Reservado e tímido, destacava-se pelo desempenho nos estudos e pelo potencial que nele se adivinhava. Era um aluno promissor, mas em risco iminente de regressar à terra para garantir o sustento da família após a morte do pai. Por isso, terminado o secundário, o apoio financeiro de LD e beneméritos foi crucial para que pudesse continuar o 11.º e 12.º anos na vila. Mas, terminado o ensino pré-universitário, e agora órfão de pai e mãe, com irmãos pequenos a cargo, seguiram-se anos de deriva e incerteza. E de trabalho, persistência e sonho, até amealhar o suficiente para pagar os exames de admissão à Universidade.

Hoje, o Humberto é assistente universitário na Universidade Pedagógica do Niassa. Com o seu primeiro salário, criou condições para pôr os mais novos da família a estudar. Olhando para trás, «fica claro que cheguei aqui pela mão dos LD. Se me tivesse deixado assustar pela perspetiva de acordar às 5 da manhã, se os LD não estivessem na Fonte Boa, se a biblioteca não estivesse lá, certamente esta história seria muito diferente, e é pouco provável que fosse uma história feliz».