Chegados ao local de missão, já levámos uma “ensaboadela” sobre os nossos projetos, sobre o sítio para onde vamos, sobre as pessoas da comunidade local com quem vamos trabalhar, sobre a dificuldade (e riqueza!) que poderá ser a vida em comunidade com pessoas que não foram escolhidas por nós, mas que acreditamos que também foram escolhidas por Deus…
Mas nada se compara ao embate com a realidade, com as caras, as mãos, as pronúncias, as falhas de comunicação, as deslocações, os mercados, a música, os galos ao raiar da madrugada e as hiaces [1] buzinadoras … E tanta beleza que é possível ver nesta realidade tão diferente daquela de onde venho, e daquela que imaginei com o tanto que ouvi.
Neste contexto, o testemunho, as pessoas, os hábitos e demais coisas que recebemos dos que nos precedem têm uma importância acrescida. O trabalho dos Leigos para o Desenvolvimento (LD) é continuado no tempo, e isso é visível no terreno, na construção de coisas visíveis, mas acima de tudo na construção de coisas invisíveis – uma das coisas que mais me tem impressionado pela positiva.
O meu primeiro dia no Bairro da Boa Morte, onde os LD têm intervenção, foi muita coisa: começar a conhecer o básico, os pontos de referência, as muitas pessoas para quem de alguma forma somos referência… E é isto que é fascinante, acabei de chegar – não conheço ninguém, e ninguém me conhece – mas as pessoas já me dão um crédito que eu não mereço. Falam-me dos nomes de antigos voluntários dos LD que já por aqui andaram, como se fosse óbvio que eu os conheci.
Estava na rua, e fui apresentado ao Mário. Até aqui tudo normal. Quando quem nos apresentou disse que eu era um novo “Leigo”, o olhar e o sorriso dele abriram-se para lá dos limites e deu-me um grande, e inesperado, abraço. Não fiz nada para o merecer. O mesmo aconteceu no meu primeiro contacto com o Eurico, outro das pessoas com quem os LD trabalham no Bairro da Boa Morte. E quem diz estes dois, diz muitos outros… É uma grande (e bonita) responsabilidade esta de entrar logo no patamar de amigo. Que eu saiba sempre estar à altura desta amizade.
Uma coisa é certa. Eu ainda não sei muita coisa, mas já sei que a Missão é muito – muitíssimo – mais do que os projetos.
Diogo Pimentel
S. Tomé e Príncipe, 2019-2020
[1] Carrinha de 9 lugares que nunca leva apenas 9 pessoas.