Há dias falava com a Neide, uma senhora do Bairro da Boa Morte, em São Tomé, que tem uma quitanda¹. Perguntava-lhe se achava que ia chover, o céu estava-se a compor… Respondeu-me que não valia a pena tentar adivinhar, que só Deus o sabia.
Fiquei a pensar em como nós, humanos, tentamos sempre arranjar formas de controlar as coisas, até se vai chover ou não, planeando os dias em função disso. De nada me valeu, nesse dia não choveu.
Uns dias depois, precisava mesmo de ir ao bairro e estava a contar com um dia limpo de sol, mas mal me preparei para sair, começou a chover! E que maravilha foi esta chuva inoportuna, que me recordou que sou um pincel que dança nas mãos de Deus. Sou Sua colaboradora nesta aguarela infinita que é a Criação, mas não estabeleço o rumo dos Seus traços. É uma graça nem o tempo conseguir controlar.
Desde que aqui cheguei, que tenho vindo a aprender a lidar com os imprevistos, com atrasos, reuniões canceladas, carro avariado, enganos nos caminhos, falta de energia, sítios fechados, eventos cancelados, planos furados… Tem sido um tempo favorável para perceber como sou pequena nos planos de Deus, que de nada me serve tentar antecipar o que acontecerá ou controlar o que aí virá, porque só Deus sabe.
Penso em como todos os dias me tem sido confirmada a missão: que é aqui, em São Tomé, que devo estar. Observo os santomenses e percebo que eles, melhor que ninguém, vivem ao sabor do imprevisto. Cada dia é um dia, vivido unicamente e intensamente, sem pensar no amanhã. Não fazem planos, aceitando, apenas, o que Deus lhes dará nesse dia. Que humildade esta de se deixar conduzir pela vontade do Senhor, aceitando a sua condição de filhos. Com estas pequenas (grandes lições), percebo como sou impotente e como ainda é tão grande o caminho a percorrer para me tornar humilde e me deixar levar na corrente dos imprevistos.
Agradeço a Deus esta oportunidade maravilhosa que me está a conceder, para aprender a entregar-me e confiar n’Ele. Tendo como exemplo este povo, que tão bem sabe viver ao ritmo do leve leve, resta-me saber aproveitar cada imprevisto como uma oportunidade para me deixar moldar nas mãos de Deus.
Que graça são as chuvas inoportunas!
Mafalda Neves e Castro
São Tomé e Príncipe, 2022-2023
¹ Pequena loja/mercearia que vende um pouco de tudo, desde sumos a rebuçados, bolachas a remédios, cerveja a fraldas.