A quente e acolhedora cidade de Cuamba, à qual carinhosamente apelido de capital da poeira, do algodão e da intriga, não seria certamente igual sem a passagem dos Leigos para o Desenvolvimento (LD). A ligação dos LD a Cuamba leva já mais de 2 décadas, o que permite antever a enorme quantidade de pessoas, de gerações diferentes, marcadas pela nossa presença, numa ligação reciprocamente marcante. Mais de 20 anos, muitos projetos, vários voluntários, muitos estórias para contar…
Por esta altura, esta ligação está prestes a terminar e cabe-me a mim, e à minha comunidade, a honra da dor de encerrar este ciclo. Entregar projetos, fechar a casa, despedirmo-nos de uma cidade e de um povo que tão bem nos acolheu ao longo dos anos e que nos deixará inundados em saudades.
Porém, apesar de todo este turbilhão saudosista, há ainda muita alegria e muita vida para acontecer e toda uma azáfama fácil de imaginar. Hoje, centrifugado neste processo, agradeço todas as pessoas que se cruzaram no caminho dos LD e sem as quais tudo seria um pouco mais difícil.
Hoje, quero falar-vos da Bia – a nossa empregada.
Quando ainda em Portugal, causava-me estranheza vir para missão, em simplicidade e pobreza, e ter uma empregada. Achava a ideia desenquadrada. Porém aceitava, desconfiado, quando me diziam “assim empregas alguém” ou “ficas liberto para atividades do projeto”, coisas que me soavam quase sempre a desculpa. Agora percebo. De facto, poder contar com as mãos da Bia cá em casa é de um valor incalculável e que, seguramente, mereceria sempre mais do que qualquer salário que se lhe pagasse. Sempre de sorriso no rosto, por mais difícil que seja a vida tendo de sustentar uma família (bem) alargada, é impressionante a dedicação e alegria que coloca em cada tarefa.
Cozinheira exímia. Cantora de lavandaria, entoa algumas melodias enquanto literalmente açoita a roupa até as nódoas saírem ou fugirem. A roupa levada para a lavandaria, percorre uma espécie de corredor da morte, desejando desesperadamente que aquele momento passe o mais rápido possível e, muitas vezes, quando a roupa entra em casa ainda vem a chorar. Inclusivamente, já pensámos criar um grupo de apoio à vítima têxtil.
Mais que isso, a Bia é um baluarte de honestidade. Encontra dinheiro na nossa roupa, quando esta já está no corredor da morte, e vem devolver humildemente naquele seu jeito simples: “Mano, está aqui dinheiro.” Se se ficasse por aqui, já estaria tudo bem. Mas há mais. Aliás, muito mais! Trabalha connosco há imensos anos, por isso, chegamos ao verdadeiramente importante: ter Bia é ter família longe de casa. Muito mais importante do que empregar alguém ou do que ter mais tempo para projeto.
Em verdade, hoje confesso que, na viagem de regresso a casa após a visita às escolinhas, algumas delas bem remotas, penso frequentemente: “ainda bem que temos a Bia.”
André Patrício
Cuamba, 2017-2018
S. Tomé e Príncipe, 2016-2017