À boleia

É esta atitude de fundo que vale a pena guardar. Uma entrega generosa, sem olhar a louros, recompensas, gratidões. Só porque sim.

– Anda, levo-te lá baixo. – disse o motoqueiro que me via a descer o Bairro da Madre de Deus, em S. Tomé e Príncipe.

– Agradeço muito, mas tenho indicações para não andar de mota. – disse enquanto passava pelo motoqueiro parado à minha espera, e lhe dava uma palmadinha nas costas.

– Como? Tens que vir. Pagaram p’ra ti. – retorquiu o motoqueiro meio surpreso.

– Obrigado na mesma, mas não posso mesmo andar de mota. – respondi sem ter ouvido muito bem, tendo entretanto parado.

– Mas pagaram p’ra ti. O que é que eu faço?

– A sério?! Quem? – apercebi-me que não tinha sido apenas generosidade do motoqueiro, o que era perfeitamente plausível já que não era a primeira vez que me acontecia.

– Um homem ali atrás. – olhei, mas como tenho óculos e não sou muito bom nessas coisas, não consegui perceber quem poderia ter sido, apesar de não estar muita gente no campo de visão que o motoqueiro me tinha indicado.

– Olha, não sei. Quer dizer, agora vais devolver o dinheiro à pessoa, e diz-lhe que eu agradeço muito, mas que não posso mesmo andar de mota.

Meio baralhado, o motoqueiro lá deu meia volta e seguiu. Eu também segui rua abaixo até que um carro acedesse ao meu (a)braço esticado e me levasse até à praça.

O diálogo pode não ter sido exactamente este, mas foi parecido.

Quem já esteve em São Tomé, saberá que o meio de transporte público por excelência na cidade é o motoqueiro. Também há táxis e hiaces que esperam por ficar a transbordar para arrancar. Dependendo da distância, o risco de se demorar mais tempo à espera do que indo a pé – e quem sabe apanhar boleia – é grande. Na cidade preferia andar a pé face à impossibilidade de andar de mota. Ia com mais tempo, vivia mais a rua, e por vezes até já encontrava caras conhecidas com quem ganhava dois dedos de conversa.

Na cidade os LD não têm carro, e na realidade, para a missão que levamos, não é essencial. Pode até afastar-nos dos encontros à beira-estrada, pois a esmagadora maioria das pessoas também não se desloca de carro.

Num país como São Tomé, pagar 10 ou 15 dobras a um motoqueiro para levar um transeunte como eu, sem me conhecer e nunca ter falado comigo – e nem o pretender fazer… Eu, digo, provavelmente nunca teria (terei) esta generosidade…  contra mim falo.

É esta atitude de fundo que vale a pena guardar. Uma entrega generosa, sem olhar a louros, recompensas, gratidões. Só porque sim.

São Tomé não é só poderoso¹, é também generoso.

Diogo Pimentel
S. Tomé e Príncipe, 2019-2020

¹ Trocadilho com a festa de São Tomé Poderoso, celebrada a 21 de Dezembro, evocando o dia em que a ilha terá sido descoberta.