Quaresma, um tempo de mudança

Quaresma, um tempo de mudança

Quaresma, um tempo de mudança

Não é difícil encontrarmos esperança, ela está presente em tudo o que projetamos e de forma tão simples. Se escolho dar um passo, tenho esperança em avançar. Se decido seguir em frente, vivo na esperança de concretizar tudo o que ficou por fazer e todos os desafios que tenho pela frente.

Uma palavra tão impactante traz sentido a tanto e a tantos e pode, tão simplesmente, traduzir-se em: decidir, arriscar, ousar dar mais um passo.

Passo a passo construo um caminho, espero e anseio. É na esperança que assento as minhas decisões. E que caminho seguimos juntos agora? O da Quaresma, é verdade.

Não é difícil criar esta ilusão de que vivemos a Quaresma de forma esperançosa, exatamente por esta possibilidade de ver a esperança como algo que possa parecer “banal”. Este simples seguir em frente, não ficar por aqui. Sendo a Quaresma um tempo de espera e reflexão, não nos custa viver na ideia de que caminhamos porque acreditamos, porque temos em nós a esperança de viver a alegria da Ressurreição, de celebrar a vida, uma esperança que nunca esmorece. Mas muitas vezes estamos só parados à espera e não à procura de novos desafios para crescermos, com esperança, e de celebrarmos a vida em comunhão com Jesus, que nos abriu estes horizontes e nos faz acreditar que vale a pena termos esperança em algo mais, no Seu amor.

Cair nesta ilusão de caminho pode acabar por banalizar mais do que a própria esperança, pode banalizar a Quaresma. Não basta acreditar que Jesus renasce… Posso ver a esperança como a razão e o folgo para dar um passo, mas um passo pode ser muito mais que o levantar de um pé. Um passo é tantas vezes esforço, sacrifício, entrega e todas aquelas pequenas ou gigantes dúvidas que não nos queriam fazer levantá-lo logo de início.

A Quaresma representa o esforço exigido de quem vive na esperança, mas não uma esperança de quem está simplesmente à espera de que algo aconteça. Uma esperança que nos move, uma esperança que faz caminho para receber esta alegria! A esperança não pode ser confundida com um simples e banal prever o que vai acontecer. Acreditar que já sei o que está para vir não podia estar mais longe daquilo que a esperança nos faz sentir – mudança, sentido de seguir!

Não quero, por isso, viver do que as “quase certezas” me trazem, quero viver da incerteza que é a esperança. Tempo de Quaresma é tempo de mudança.

Inês Botelho

Confissão de dois Gambozinos adotivos

Confissão de dois Gambozinos adotivos

Olhando para trás, parece que o nosso mundo não existiu sem os GBZ. A sério!

Mal nos lembramos de como era a nossa vida numa casa sem aplausos, sem “aqueles” cânticos, sem os relatos entusiásticos da loucura saudável trazida de uma “tarde fixe”, de um Mini-Campo ou de um campo de Verão. Sem o barulho saltitante das rodas gigantescas, onde sempre cabia mais um, e que enchiam todo o Largo de São João do Souto ou, mais tarde, a Praceta da Faculdade de Filosofia. Sem o afeto colocado nas histórias vividas com aquele outro gambozino, com uma experiência de vida completamente oposta e que muita riqueza traz às nossas vidas, certamente o principal dos tesouros recebidos. Sem a lembrança dos mimos da mamã, dos apelos do animador ou da condução do diretor. Sem o espanto provocado pelo conhecimento das perguntas feitas nos momentos culturais, para resolver a rir problemas que poderiam fazer miúdos chorar. Sem o desafio lançado no BDS e assumido com vontade, alegria e empenho, ou sem a partilha do lavar a louça ou das sornas feitas conversa, cantares ou simplesmente “pa’ estar”. Sem a ida até à “Ilha” ou assistir à “Super-produção”. Sem ter ido de Braga a Cascais sem outra razão que não participarmos, todos, no La Trina.

A sério! Quase não nos lembramos… Nós, que nunca estivemos numa “tarde fixe”, num Mini-Campo ou num campo de verão.

Porque ser Gambozino não é exclusivo dos nossos filhos. É algo que fomos, através deles, trazendo para o centro da nossa mesa, ali onde se cozinha o que de mais importante se vive em nossa casa. Por isso, é fácil para nós fazer desfilar nomes – muitos sem rosto, porque nunca os vimos, – jogos, novelas e imaginários, como se tivessem sido vividos na primeira pessoa. Tudo isso, para nós, se tornou familiar: parte da nossa casa e da nossa família.

É verdade que tudo nos chegou principalmente através dos nossos filhos e dos seus relatos entusiasmados. E deles pode sempre vir tanto ensinamento bom! Mas se no meio de tanto bem recebido tivermos algum mérito – para não dar todo o crédito à sorte – foi o de adotar tudo aquilo como nosso e o de nos permitir, mesmo já sem idade e “à revelia”, fazermo-nos também nós Gambozinos e darmos graças a Deus por isso. Porque numa casa em que todos o somos, há um monte de coisas que se tornam mais fáceis: principalmente a perceção que o mundo é injusto, mas que podemos fazer algo para que o seja menos; a constatação de que a diferença não é para esconder, mas sim para criar possibilidades de cada um ir mais longe, sendo fiel a si próprio, levando os outros nesse caminho de maior riqueza e diversidade; a certeza de que há um Deus que quer bem a cada um, com a sua história particular, carregada de incapacidades e dificuldades, mas também de alegrias e graça que é fundamental reconhecer; a confiança de que a natureza é a nossa casa, que nos acolhe e tudo nos dá, permitindo o descanso reparador e a harmonia silenciosa que nos calibra o corpo, a alma e os sentidos, e que por isso importa tratar com todo o cuidado e a pôr mãos à obra para construir um mundo de ecologia integral.

É assim que olhando para nós, família, percebemos que os Gambozinos foram e são uma parte importante do caminho que nos ajuda a definir e compreender, a cada um e em conjunto. E que olhamos à volta e vemos outras famílias como nós, que também são Gambozinos do primeiro ao último membro, com quem partilhamos este modo de olhar para o mundo. E, no meio de muita loucura e brincadeira, de uma alegria que reconhecemos vir do sítio certo, olhamos e vemos que tudo isto é muito bom.

Porque ser Gambozino é um assunto sério. A sério!

Catarina e Pedro

(Gambozinos adotivos)

O contacto com a Natureza

O contacto com a Natureza

Criou o céu, a terra e o mar, criou o sol, a lua e as estrelas, criou as plantas, os animais e criou-nos a nós.

De certeza que podia ter continuado e criado grandes estradas que nos guiassem a cidades gigantes com enormes monumentos feitos para si.

No entanto viu como era belo o jardim e descansou.

Atualmente é difícil sequer imaginarmo-nos a viver nesta simplicidade. Vivemos apressadamente e de forma complicada, em selvas de betão, onde são raros os vestígios do jardim.

Pediu-nos para tomar conta dele e limitámo-nos a tomar conta de nós.

Sendo por isso, na minha opinião, o nosso pilar da Natureza cada vez mais relevante.

Nos campos de verão temos a oportunidade de deixar os telemóveis e tudo o que nos desliga do essencial para trás e, durante 10 curtos dias, viver a simplicidade e alegria de um contacto enorme com a Natureza.

Tomar banho num rio frio, caminhar sob o sol escaldante, dormir debaixo dum céu estrelado, rastejar na lama, comer numa roda simples e escutar a Sua palavra enquanto o pôr do sol se faz refletir no rio.

É nesta nossa réplica do jardim que conseguimos semear a missão dos Gambozinos, neste ambiente de simplicidade é fácil vermos as semelhanças que nos unem e criar amizades que não seriam evidentes lá fora.

E quando voltamos ao dia a dia, devemos tentar vivê-lo com o olhar renovado, parar e apreciar quem nos rodeia e o que nos rodeia. Sentir a Sua presença num passeio sozinho, num café com amigos, a ler encostado a uma árvore ou a ouvir música no autocarro, porque por mais difícil que por vezes seja encontrar vestígios do jardim, eles irão aparecer a quem os procura.

Vicente Lima

 

 

A Natureza

A Natureza

Há quem defina Natureza como o mundo exterior ao Homem e o sistema de leis que sobre ele atua, mas, ultimamente, tenho-me vindo a perguntar se será só isto, de que maneira é que, como gambozinos, olhamos e temos presente este pilar da nossa associação.

Olá! O meu nome é Pedro, e, infelizmente, não vos venho dar uma resposta. Não só porque não a tenho, mas também porque sinto que cabe a cada um encontrá-la na sua vida e na sua missão particular nos gambozinos. Em contrapartida, deixo-vos um bocadinho de como tenho vivido esta questão em concreto, na qual tenho acabado por “tropeçar” muitas vezes nos últimos meses.

Desde Dezembro que comecei uma viagem, uma aventura como lhe chama o meu pai, pela América do Sul. Parti de mochila às costas atrás de um sonho, já de algum tempo, de conhecer este continente, as pessoas, a cultura, as paisagens, e tudo o que tinha para me oferecer. O percurso que fiz levou-me aos quatro cantos do continente e deu-me a oportunidade de viver intensamente a diversidade e magia que existe deste lado do mundo. Subi montanhas e vulcões, atravessei desertos de sal e de areia e de rocha, nadei em praias paradisíacas, explorei florestas tropicais e fui-me deslumbrando e surpreendendo repetidamente com a grandiosidade, complexidade e beleza de todos estes cenários que, se por um lado me faziam sentir humilhado, pequeno e frágil perante o Génio que os cria e que pode muito para além da minha imaginação, também me foram tornando mais sensível ao modo como nos fala através destas Suas obras de amor.

Fui tendo muito tempo. Tempo para fazer novos amigos, conhecer estas pessoas e culturas (não) tão diferentes de nós, provar pratos que têm tanto de bizarro como de incrível, e, sobretudo, fazer silêncio e digerir esta Criação que me envolvia e me falava tão alto. Acabei por aprender e reaprender a reconhecer-me cuidado e abraçado por esta Natureza que nos é dada de forma sistemática e gratuita, como uma carta que Deus nos escreve e envia continuamente, não só através dos grandes desfiladeiros e montanhas deste mundo, mas também na brisa que nos refresca num dia quente de verão, relembrando-nos do quanto nos ama.

 

Ao longo deste tempo, fui sempre tendo presentes os gambozinos, fosse através das pequenas coisas em que consegui ajudar à distância, mas muito também na minha oração, e fui-me apercebendo que partir para um campo é muito como ser “mochileiro”, largar todos os quentinhos e pequenos artifícios que fazem ruído e nos prendem ao nosso umbigo, e partir à descoberta deste mundo que nos é dado de graça para que nos ajude a chegar a Deus.

Acredito que, se “fugimos para o mato” no Verão na altura dos campos, é para que consigamos aprender a viver simplesmente d’Ele e da Criação que continua a construir para nós, porque é nesta comunhão com a natureza, na simplicidade que ela imprime no nosso modo de viver, que verdadeiramente percebemos que “Só uma coisa, Ele, é necessária”.

De mim acho que era isto, e tu, Gambozino, como é que a Natureza se faz presente na tua vida?

Pedro Silva

O olhar

O olhar

O olhar, diria eu, talvez de forma arriscada, é a coisa mais importante na forma como pensamos o mundo, como tencionamos que ele seja. Pelo menos, é através desse “olhar” que identifico as necessidades que existem (as minhas e as dos outros), que oriento os meus desejos e dou os primeiros passos para as pequenas mudanças do dia-a-dia. Sem haver essa primeira experiência, que é muito mais do que “ver” apenas, nada do resto aconteceria. Foi por ter havido gente que se arriscou a “olhar” de forma profunda e compassiva para o mundo, por depois ter formulado um desejo de fundo de um mundo mais igual e bonito, que nasceram os Gambozinos, e tantas outras coisas. Até o próprio Deus precisou de ter “olho para a coisa” para nos enviar Jesus e mudar a história da humanidade.

Tendo isto em conta, este olhar é muito menos uma experiência da visão, ligada aos nossos olhos e que obriga a que estes estejam abertos, e muito mais uma experiência do ser no seu todo, do coração. Se fosse professor, e tivesse de inventar uma fórmula geral para explicar este olhar diria assim: “olhar = ver + sentir/compaixão/perceber”. Se fosse para ir mais fundo ainda, diria que “olhar = ver + Jesus”. Acho que esta segunda fórmula é mais acertada: Jesus não é, como sabemos, só uma figura histórica que disse e fez coisas bonitas. Mais importante que isso, deixou-nos a sua lógica, o seu modo de viver, de pensar, de agir, acessível a todos, sem exceção. E, portanto, se virmos o mundo, os outros, com uma lente com a graduação de Cristo, acho que estaremos a “olhar”. Uma pessoa vai deixar de ser só uma pessoa; vai passar a ser uma oportunidade de amar, de encontro e partilha. A paisagem que vejo vai deixar de ser só um monte de verduras bem alinhadas que davam uma boa fotografia e passam a ter em si a beleza criada de algo que nos foi dado para cuidarmos. As injustiças e desastres vão deixar de ser um poço de lamentações sem saída, e poderão começar a ser motivos para pormos mãos à obra e, aos poucos, começar a construir pequenos Céus, ainda na Terra.

Sei que isto são afirmações que podem parecer demasiado esperançosas, e sei também que, muitas vezes, o nosso olhar está gasto, está irritado, impaciente. O que é normal. O importante, diria ainda, é voltarmos sempre à fonte, irmos sempre comprar as lentes de Jesus. Mesmo nestes momentos em que só conseguimos ver com os olhos, não com o resto, é importante termos essa confiança de que, mais tarde ou mais cedo, vemos as coisas de maneira diferente. Para melhor. Se há algo que caracteriza esse “olhar” é a esperança, e sem ela não caminhamos. Uma esperança que vem da Fé, mas também na crença em nós próprios como atores valiosos, únicos e úteis neste mundo. Olhar implica também uma dimensão coletiva, termos a cabeça para cima, saber que estamos acompanhados e que acompanhamos. Com isso, esse “olhar” torna-se atento; a individualidade e o egoísmo acabam por ter o mesmo efeito do que termos os olhos fechados, ou até pior.

Peço, para mim e para todos nós Gambozinos, um olhar atento e de esperança para que, através das nossas mãos, possamos ir moldando, construindo e reparando o que está ao nosso alcance, e ir sonhando com um mundo como Jesus o quer. “Olhar = ver + sentir/compaixão/perceber = ver + Jesus”.

António Serrano