Prevenir o abuso sexual a brincar

Conselho da Europa estima que 1 em cada 4 raparigas, e 1 em cada 6 rapazes, sejam vítimas de alguma forma de abuso ou exploração sexual. Falar sobre esta problemática é preveni-la.

Conselho da Europa estima que 1 em cada 4 raparigas, e 1 em cada 6 rapazes, sejam vítimas de alguma forma de abuso ou exploração sexual. Falar sobre esta problemática é preveni-la.

Existem diversos temas que, pela sua carga emocional negativa, tendem a ser evitados. Os adultos não falam sobre eles, nem entre eles e, muito menos, com as crianças. São temas tabu, como é o caso do abuso sexual. E quando questionamos os adultos sobre os motivos associados a este processo de evitamento, a resposta é quase sempre a mesma: “Não sei como falar sobre isso. Não me sinto à vontade. Tenho receio que, ao abordar o tema, o meu filho se sinta mais ansioso e preocupado”.

O abuso sexual existe e tem uma prevalência elevada. O Conselho da Europa estima que 1 em cada 4 raparigas, e 1 em cada 6 rapazes, sejam vítimas de alguma forma de abuso ou exploração sexual até atingirem a idade adulta. Neste contexto, sendo uma realidade prevalente e com um claro impacto negativo, a curto, médio e longo prazos, quer para a criança ou jovem, quer para a família e comunidade, é preciso falar sobre esta problemática. De uma forma natural e descontraída, tendo em conta que uma percentagem expressiva de casos ocorre em contexto familiar, existindo ainda uma elevada prevalência noutros contextos de vida da criança (p. ex., contexto desportivo, actividades extra-curriculares, formação religiosa).

Neste contexto, a intervenção remediativa não deve ser o principal foco de atenção dos agentes políticos. Pelo contrário, deve investir-se em programas de prevenção primária de natureza universal, que permitem promover competências e aumentar o bem-estar dos indivíduos.

A prevenção do abuso sexual com crianças e adolescentes, em particular, implica a criação de contextos seguros e saudáveis que permitam a implementação de programas psicoeducativos e multissistémicos, envolvendo crianças, pais/cuidadores, agentes educativos e a comunidade. Pretende-se, deste modo, uma abordagem de redução do risco que permita atingir três grandes objetivos: (a) educar sobre o abuso sexual, aumentando conhecimentos sobre temas que permitam proteger as crianças de situações de risco; (b) aumentar competências para identificar possíveis situações de risco, e (c) aumentar competências para lidar com as essas mesmas situações.

As actividades lúdicas são facilitadoras, por excelência, de emoções positivas, desbloqueiam interações e facilitam diálogos. O brincar permite ainda aprender de uma forma espontânea, ao mesmo tempo que se treinam estratégias de resolução de problemas.

A literatura baseada na evidência indica que os programas são mais eficazes quando abordam temas como o corpo, partes privadas, bons segredos e maus segredos, emoções e pedir ajuda, através do recurso a metodologias activas e participativas, facilitadas por um adulto. Prevenir é também intervir numa lógica temporal, ao longo do tempo, por forma a facilitar a consolidação de conhecimentos e competências.

As actividades lúdicas são facilitadoras, por excelência, de emoções positivas, desbloqueiam interações e facilitam diálogos. O brincar permite ainda aprender de uma forma espontânea, ao mesmo tempo que se treinam estratégias de resolução de problemas.

Neste âmbito, desenvolvemos e temos testado um conjunto de materiais de prevenção primária ou universal do abuso sexual que se destinam, quer a crianças em idade pré-escolar (“Picos e Avelã à descoberta da floresta do tesouro”[1]), quer em idade escolar (“As aventuras do Búzio e da Coral”[2]). De uma forma lúdica, as crianças são convidadas a realizar diversas actividades, permitindo-lhes identificar as diferentes partes do corpo, distinguir contactos físicos adequados e inadequados e segredos que devem ser mantidos ou revelados. Ao mesmo tempo, as actividades potenciam a capacidade para identificar e expressar diferentes emoções, aprender quando devem dizer “sim” ou “não” e saber pedir ajuda a um adulto de confiança. Com as crianças mais velhas, são também abordados os perigos associados à utilização da Internet.

Os estudos de avaliação de impacto dos programas de prevenção primária ou universal do abuso sexual permitem concluir que as crianças não se sentem mais ansiosas ou assustadas. Pelo contrário, sentem-se mais confiantes, assertivas e autónomas. Falam mais abertamente sobre o tema com os adultos que as rodeiam e estes, por sua vez, também se mostram mais atentos e conscientes sobre esta problemática, o que facilita a identificação de potenciais situações de risco e a respectiva sinalização junto das entidades competentes nesta matéria.

Proteger as nossas crianças e jovens é facultar-lhes conhecimento e, ainda, desenvolver o seu sentido crítico. Proteger é também criar condições que permitam que os Direitos da Criança, espelhados na Convenção da ONU, sejam devidamente assegurados, criando sociedades mais responsáveis e protectoras.

 

[1] Alexandre, Agulhas, & Lopes, 2017.
[2] Agulhas, Figueiredo, & Alexandre, 2016.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.