O Papa no jardim de Maria

Francisco fará visita pastoral à Roménia durante três dias. Um tempo para encontrar católicos mas também cristãos ortodoxos da região, que têm uma enorme estima pelo Papa. Antecipação da visita pelo olhar de um romeno a viver em Portugal.

Francisco fará visita pastoral à Roménia durante três dias. Um tempo para encontrar católicos mas também cristãos ortodoxos da região, que têm uma enorme estima pelo Papa. Antecipação da visita pelo olhar de um romeno a viver em Portugal.

Com o mote “Caminhemos juntos” o Papa Francisco visita a Roménia a partir de sexta-feira, dia 31 de maio até 2 de junho, vinte anos depois da histórica visita do Papa João Paulo II ao “Jardim de Maria”[1].

Passado este tempo todo, a Roménia é necessariamente um país diferente. Na altura da primeira visita de um Papa a um país de maioria ortodoxa, os romenos, acabados de sair de um ditadura comunista de mais de 40 anos e uma das mais opressivas em toda a Europa, estavam a dar os primeiros passos na redescoberta da democracia, procurando sobretudo segurança e bem-estar, às portas da NATO e da União Europeia.

Atualmente a Roménia, que acaba de celebrar o seu centenário como nação independente, apresenta-se como um país moderno e livre, com melhores índices de desenvolvimento e com uma economia em franco crescimento.

Infelizmente, o caminho percorrido não está livre de dificuldades. Estima-se que mais de três milhões de romenos tenham abandonado o seu país à procura de melhores condições de vida e trabalho.

O país com cerca de 20 milhões de pessoas ostenta uma grande diversidade cultural e religiosa. Romenos, húngaros, alemães, turcos, búlgaros, membros da comunidade cigana, sérvios, polacos, ucranianos e armênios, convivem e partilham o mesmo espaço num equilíbrio bastante frágil e por vezes tenso. A maioria professa o cristianismo ortodoxo (80%), os protestantes são 6% e os católicos representam apenas 4%, repartidos entre os do rito romano-católico e os que professam ritos orientais, como os greco-católicos, maronitas e armênios.

O Papa Francisco fará uma visita pastoral, com forte pendor ecuménico e mariano, dedicando o maior tempo possível a encontrar-se com a comunidade católica, sem ignorar as características e particularidades deste mosaico sociocultural e religioso demasiado complexo para ser atendido numa visita de apenas três dias.

É a primeira vez que o Papa Francisco dedica três dias a uma visita pastoral num país da Europa. Serão três dias muito intensos com três missas, oito discursos diante das autoridades civis e religiosas, beatificação de sete bispos mártires e um encontro com a comunidade rom.

É a primeira vez que o Papa Francisco dedica três dias a uma visita pastoral num país da Europa. Serão três dias muito intensos com três missas, oito discursos diante das autoridades civis e religiosas, beatificação de sete bispos mártires e um encontro com a comunidade rom. Vamos olhar com mais atenção para o programa da visita.

O primeiro dia será dedicado exclusivamente às autoridades políticas e eclesiais na capital, em Bucareste. Francisco vai encontrar-se com o Patriarca Ortodoxo Daniel e com o Sínodo permanente da Igreja Ortodoxa. Juntos irão visitar à nova catedral ortodoxa para rezar em conjunto a oração “Pai Nosso”. O dia conclui-se com a missa na catedral de São José da Arquidiocese Romano-Católica de Bucareste.

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Em 1999, ficou registado para a história o abraço do Papa João Paulo II ao Patriarca romeno Teoctist no final da eucaristia celebrada no Parque Izvo

No segundo dia, o Papa vai até a região da Transilvânia para celebrar a missa no Santuário mariano de Șumuleu-Ciuc, na Arquidiocese Romano-Católica de Alba-Iulia. O maior santuário do leste europeu situa-se numa colina onde em 1567, em vésperas de Pentecostes, os católicos da Transilvânia venceram o exército protestante do rei Sigismund, conseguindo manter a sua identidade religiosa. Curiosamente, a maior parte dos peregrinos que lá vão em grande número, sempre na véspera de Pentecostes, têm uma forte identidade húngara.

Ainda no sábado, o Papa irá visitar a cidade de Iași, importante centro cultural e lugar por excelência da presença dos cristãos romano-católicos da região da Moldávia.

De seguida, Francisco visitará a catedral romano-católica da Diocese de Iași, depois vai até ao Palácio da Cultura onde terá um encontro com os jovens e as famílias católicas.

O domingo será o ponto mais alto desta visita, estando previsto o encontro com os representantes da Igreja Católica Romena Unida com Roma. Na cidade de Blaj, lugar histórico da Igreja Greco-Católica, o Santo Padre celebrará a Santa e Divina Liturgia no rito bizantino onde irá presidir a cerimónia de beatificação dos sete bispos greco-católicos martirizados pelo regime comunista. Quer prestar homenagem e agradecer o testemunho de fé da Igreja Greco-Católica que pagou muito caro a sua fidelidade ao Santo Padre, e teve que sofrer 41 anos de perseguição, cujas feridas ainda não estão saradas. O ritual terá da beatificação terá lugar no Campo da liberdade (Câmpia Libertății) lugar emblemático onde decorreram alguns dos momentos históricos mais marcantes da história do país.

Depois do almoço, o Papa Francisco terá um encontro com a comunidade rom de Blaj, estimada em cerca de 600 mil pessoas e que representam 3% da população do país.

Há precisamente vinte anos, ficou registado para a história o abraço do Papa João Paulo II ao Patriarca romeno Teoctist no final da eucaristia celebrada no Parque Izvor, enquanto os fiéis católicos e ortodoxos gritavam juntos a palavra “Unidade!”. Deus queira que esta visita do Papa Francisco possa avivar este desejo de unidade, não só do povo romeno, mas também de todos os cristãos que ainda experimentam a divisão das suas igrejas.

Pessoalmente creio que esta visita à Roménia terá um forte impacto não apenas na pequena comunidade católica, a quem o Papa quer confirmar na fé e a quem esta visita se destina em primeiro lugar, mas também na sociedade romena em geral.

O mundo ortodoxo ama o Papa Francisco e por isso acredito que, durante esta visita histórica, vamos poder presenciar alguns gestos com uma forte carga simbólica que, a longo prazo, vão contribuir para desanuviar as tensões ainda existentes entre as várias comunidades e vão consolidar o diálogo ecuménico.

O Estado romeno, que efetivamente está a atravessar um período de maior afirmação internacional – como a recente Presidência do Conselho da União Europeia – beneficiará de uma grande visibilidade durante três dias de atenção mediática do mundo inteiro. Porém, ao nível interno, existe ainda uma exigência de mais transparência e maior combate contra a corrupção. Os romenos estão cansados de serem liderados por pessoas sem escrúpulos que minam a credibilidade das instituições políticas e empresariais. A todas estas pessoas que anseiam por um futuro melhor, o Papa Francisco levará uma mensagem de ânimo e incentivo para que continuem nesta demanda da liberdade, da segurança e do bem-estar, apostando cada vez mais na valorização da pessoas humana, através da educação e da cultura do encontro, no acolhimento e no respeito da diferença.

No que diz respeito aos cristãos, não tenho dúvidas de que o impacto será muito positivo. O mundo ortodoxo ama o Papa Francisco e por isso acredito que, durante esta visita histórica, vamos poder presenciar alguns gestos com uma forte carga simbólica que, a longo prazo, vão contribuir para desanuviar as tensões ainda existentes entre as várias comunidades e vão consolidar o diálogo ecuménico e aproximação de todos em direcção à Unidade!

Em jeito de conclusão diria que o Papa Francisco encontrará um pequeno rebanho em festa a quem levará uma palavra de esperança e o desafio, sobretudo às gerações mais jovens, de não esquecer o passado que tornou possível a derrota do pesadelo comunista. Um desafio de não se deixar enganar pelas falsas promessas de felicidade do materialismo consumista e de não desistir do sonho de Deus de que todos os homens encontrem a sua dignidade de filhos.

[1] O Papa João Paulo II utilizou a expressão “Jardim de Maria” no seu primeiro discurso na vista a Roménia no dia 7 de Maio de 1999. A expressão remonta à história da aparição da Nossa Senhora em 1498 em Bisericani, no Norte do país. Nossa Senhora apareceu a um grupo de monges ortodoxos que, ao não conseguir construir um mosteiro, por causa das invasões dos turcos e tártaros, desanimados, decidem regressar ao Monte Atos – mais conhecido como o jardim da Nossa Senhora. Maria apareceu-lhes, numa árvore (carvalho) em forma de luz e disse-lhes: “Ficai aqui. Não abandoneis este lugar porque também este é o meu jardim”.

Podemos encontrar aqui alguns elementos semelhantes as aparições de Fátima: o grupo de trabalhadores, a árvore, a  luz, a preocupação da Nossa Senhora perante os seus filhos.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.