MEERU: abrir um caminho e o olhar

No projeto MEERU, a missão é o encontro entre famílias migrantes, refugiadas e requerentes de asilo e famílias portuguesas, e o modo a amizade. Os rostos renovam o desejo de estar próximos e o propósito da missão.

No projeto MEERU, a missão é o encontro entre famílias migrantes, refugiadas e requerentes de asilo e famílias portuguesas, e o modo a amizade. Os rostos renovam o desejo de estar próximos e o propósito da missão.

No século I, em Jerusalém, um homem rasgou o véu do templo e revelou as coisas ocultas desde a criação do mundo, de maneira que nele não mais há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher. E prometeu que todos seriam um.

Em 1989 caía, na Alemanha, um muro estendido como uma cortina de ferro. Os rostos podiam, enfim, ver-se. E nos corações uma sensação de unidade e fraternidade ganhava razões para florescer.

No século XXI, desde 2014, mais de 20 mil mulheres, crianças e homens que desejavam descobrir um templo aberto encontraram, no Mediterrâneo, um véu que lhes cerrou as portas da esperança. E a vida esbarrou-se nessa cortina.

Enquanto o medo e a indiferença se vão tornando numa gramática habitual de muito do discurso que ouvimos, cresce a necessidade de manter o véu rasgado e um caminho aberto. Se assim não fosse, a distância continuaria a ganhar espaço e a indiferença, tão silenciosa, tornar-se-ia tão ou mais letal do que a violência. Diria até que a indiferença moral – de que a distância e o nosso conforto são mãe e pai -, é uma forma de violência silenciosa, mas poderosa e subtil.

Diria até que a indiferença moral – de que a distância e o nosso conforto são mãe e pai -, é uma forma de violência silenciosa, mas poderosa e subtil.

Temos solução? Claro: ser próximos, manter esse caminho aberto construindo uma proximidade verdadeira, que se prolonga pela amizade e acolhe pela humanidade. O primeiro passo é dar-se como um lugar seguro onde aqueles que chegam desenraizados podem construir o seu futuro. Hoje consigo pôr em termos mais ou menos claros esta “solução” por causa de um feliz “encontro”.

Há uns tempos, num daqueles acasos felizes, encontrei a MEERU | ABRIR CAMINHO. Quis conhecê-los e conhecer a missão de proximidade a que se entregam, como têm encontrado a alegria concreta escondida nessa proximidade e, claro, como nasceram. De onde lhes vem o nome, digo-vos no fim.

É para as famílias migrantes, refugiadas e requerentes de asilo que a MEERU tem os olhos voltados. Quando chegam, desenraizadas, o apoio institucional pode até criar espaços e estruturas e dar uma forma ao acolhimento. Contudo, assim, até podemos ter o vaso, mas falta o solo onde podem lançar, de novo, raízes. Esse solo é a humanidade presente no diálogo, na partilha e numa proximidade real, que cria os laços de amizade: o verdadeiro método de uma integração mais eficaz, porque mais humana e mais bela.

A passagem do desconhecido ao irmão faz-se precisamente assim: se me aproximo realmente com o desejo de partilhar e de ser um lugar de vida, o estranho torna-se familiar.

No projeto MEERU APROXIMA esta passagem torna-se clara. Preparando o futuro ao permanecer, como verdadeiros amigos, para além da fronteira de qualquer obrigação formal, as equipas de voluntários comprometem-se a partilhar a vida com uma família. Um compromisso que é exclusivamente a criação de relações de amizade, afeto e confiança. Cada família faz também um compromisso de partilhar a vida com esta equipa de voluntários. Não é unilateral: trata-se antes de construir projetos de encontro e vida partilhada.

Só essa proximidade e relação criada com a família permite, ao longo do tempo, simplificar muitas questões técnicas e formais, ajudar as famílias a preparar os seus currículos e acompanhá-las em entrevistas de emprego, ou facilitar contactos de potenciais empregadores às entidades de acolhimento.

A centralidade da proximidade recorda-nos algo básico: os lugares a que pertencemos (a que podemos chamar casa) constroem-se de relações e afetos.

A centralidade da proximidade recorda-nos algo básico: os lugares a que pertencemos (a que podemos chamar casa) constroem-se de relações e afetos.

E, nas memórias de voluntários da MEERU que chegaram até mim estão passeios pela praia, piqueniques no jardim, “treinos” informais de português, visitas ao Bom Jesus ou trocas de prendas no Natal. Houve equipas que juntaram amigos para pintar e tirar a humidade de uma casa. Outras que se juntaram para um almoço de comida típica indiana partilhada entre a família e as famílias dos voluntários. Também a partilha de café turco ou um passeio de teleférico no cais de Gaia.

Há também testemunhos dos desafios da família contados com a intensidade de quem se preocupa verdadeiramente e quer fazer parte da solução: o desalento da perda de um emprego e a ansiedade de começar a pagar a renda da casa; a entrada pela primeira vez na escola ou as idas confusas à Segurança Social.

Neste mês de março, são três as Equipas de Proximidade que terminam os oito meses de compromisso, previstos no programa de voluntariado MEERU Aproxima. Todas elas manifestaram vontade de autonomamente continuar a encontrar-se com a família que acompanham. Este é o grande objetivo do programa: ser um boost de 8 meses para que se criem relações genuínas que se prolonguem no tempo, sem prazo.

E deixo para o fim aquilo por onde, normalmente, se começa. Como nasceu a MEERU? Ou melhor: Quem nasceu primeiro? O desejo de proximidade ou o rosto concreto que a exige?

Sem dúvidas, disseram-me: “O rosto. A MEERU são muitos rostos! É o resultado de encontros concretos.” Começou a nascer em 2016, quando a Safaa chegou ao aeroporto de Lisboa, vinda da Grécia, com o marido e os gémeos de 4 meses de idade, e encontrou a Isabel, que estava lá simplesmente para ajudar nas traduções necessárias. Ali começaram uma relação sem prazo, que extravasou para a família e para os amigos e que, apesar de todas as dificuldades, permanece até hoje. Elas não sabiam, mas foi o início.

E o nome? Meeru é o nome do menino paquistanês que vários elementos da Equipa da MEERU conheceram em missão no centro de acolhimento do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) em Atenas. Por isso, entre vários rostos, é o rosto do Meeru, que lhes dá nome. O rosto da espontaneidade e do acolhimento genuíno, sem fronteiras.

E porque a missão é o encontro e o modo a amizade, são os rostos que renovam o desejo de estar próximos e o propósito de qualquer missão em geral, e desta em particular.

Para conhecer melhor este projeto:

https://www.meeru.org/ 
https://www.instagram.com/meeru.abrircaminho/
https://www.facebook.com/meeru.abrircaminho

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.