Análise dos programas à luz da Doutrina Social da Igreja

Uma reflexão da Comunidade Rupert Mayer sobre os programas eleitorais inspirada pela Doutrina Social da Igreja. O objetivo deste artigo é promover a reflexão e o discernimento, com a consciência de ser um trabalho imperfeito e inacabado.

Uma reflexão da Comunidade Rupert Mayer sobre os programas eleitorais inspirada pela Doutrina Social da Igreja. O objetivo deste artigo é promover a reflexão e o discernimento, com a consciência de ser um trabalho imperfeito e inacabado.

A Comunidade Rupert Mayer é um grupo de jovens que se sentem interpelados a olhar para a realidade social e política partindo do Evangelho. Reúne-se quinzenalmente e pauta-se pela missão conjunta de discernir a presença e participação no espaço público, na vida cívica e na política. Somos um grupo com diversidade de perspetivas críticas, posicionamentos políticos e ocupações profissionais, tendo como elemento comum a espiritualidade inaciana e a inspiração na Doutrina Social da Igreja (DSI), bem como o exemplo de Rupert Mayer (1876-1945), padre jesuíta, e uma figura fundamental na resistência ao nazismo, que foi beatificada em 1987 pelo Papa João Paulo II.

Aproximando-se as eleições legislativas, concluímos que a nossa missão para este tempo específico seria fazer aquilo que seria difícil a nível individual: ler de forma crítica todos os programas eleitorais e abrir uma discussão a partir daí. Distribuímos os programas dos nove partidos com assento parlamentar pelos diferentes membros da comunidade e propusemo-nos a responder às seguintes perguntas:

1 – Qual é a visão da sociedade apresentada por este programa?
2 – Quais são as prioridades políticas que estão enunciadas e quais as que faltam?
3 – Em que parâmetros este programa se aproxima da Doutrina Social da Igreja e em quais se afasta?

Na nossa análise, utilizámos como referência alguns capítulos do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (DSI), nomeadamente os Capítulo IV (que resume os Princípios da DSI), VII (que versa sobre a Vida Económica) e VIII (que trata a Comunidade Política), bem como um documento da Conferência Episcopal Portuguesa de 2019, intitulado “Um olhar sobre Portugal e a Europa à luz da doutrina social da Igreja”, publicado por ocasião das eleições europeias desse ano. Recomendamos vivamente a leitura de ambos os documentos.

Para responder à pergunta 1, procurámos em cada programa eleitoral as expressões que melhor descrevem a visão da sociedade de cada partido, segundo a nossa leitura, e definimos um ponto-chave para cada.

Quanto à pergunta 2, apercebemo-nos também imediatamente que cada programa organiza as suas prioridades de forma diferente. O programa da Iniciativa Liberal, por exemplo, designa 5 objetivos principais, enquanto o do Chega apresenta 100 medidas “prioritárias”. Assim, quando foi mais difícil salientar as prioridades definidas, foi feita essa ressalva.

Para a pergunta 3, concentrámos os princípios da DSI expostos no Capítulo IV do Compêndio da DSI em quatro grandes parâmetros: Dignidade da Vida Humana; Bem Comum e Destino Universal dos Bens; Subsidiariedade e Participação; Solidariedade. Escolhemos medidas e preocupações (bem como a ausência de medidas e preocupações) de cada programa eleitoral para ver de que modo se aproximam ou afastam potencialmente destes parâmetros, cobrindo áreas tão vastas como saúde, educação, economia, justiça social e laboral, ambiente, entre outras.

Esta parte pretende sobretudo abrir questões e não dar respostas fechadas. Note-se que são destacados aspetos dos programas eleitorais, pelo que as ausências de menções de certos programas eleitorais em determinados parâmetros não têm um significado particular.

O nosso trabalho é, naturalmente, imperfeito e inacabado. A análise dos programas eleitorais não chega para o discernimento do voto.

O nosso trabalho é, naturalmente, imperfeito e inacabado. A análise dos programas eleitorais não chega para o discernimento do voto. Eles foram criados no contexto de apresentação às legislativas de 2022, mas a maioria dos partidos tem publicado diversos documentos ao longo dos anos (programas políticos, moções, entre outros), e tem assumido posições políticas sobre os mais variados temas. Tomemos como exemplo a questão da legalização da eutanásia ou do aborto. É sabido que (quase) todos os partidos têm tomado uma posição. Contudo, tendo em conta que o nosso propósito é analisar os programas eleitorais, apenas nos iremos referir a estes assuntos quando eles são mencionados nestes documentos.

O objetivo principal desta partilha é, precisamente, promover a reflexão. Não pretendemos reproduzir (ou resumir) os programas eleitorais de cada partido, até porque estes já comunicaram a sua mensagem ao Ponto SJ (ver as respostas dos partidos às três perguntas do Ponto SJ, publicadas ao longo desta semana). Também não é um apelo ao voto num partido específico, ou a censura de qualquer força política. É um esforço de trabalho em equipa que resultou de diferentes perspetivas e em que procurámos, dentro do possível, “salvar a proposição do próximo” (Exercícios Espirituais nº 22), para contribuir para o discernimento do voto.

Esperemos que contribua verdadeiramente para isso.

O objetivo principal desta partilha é, precisamente, promover a reflexão.

1 – Qual é a visão da sociedade apresentada por este programa?

Partido Socialista

O PS tem uma visão de uma “sociedade digital, da criatividade e da inovação”, comprometida com uma transição climática justa, que enfrente os desafios demográficos (natalidade, migração, envelhecimento, emprego e habitação) e que combata as desigualdades socioeconómicas existentes, sobretudo no que toca à igualdade de género e discriminação, rendimentos e justiça fiscal, pobreza, educação e coesão territorial.

Ponto Chave: Combate às Desigualdades

Partido Social Democrata

O PSD pretende conciliar desenvolvimento económico, desenvolvimento humano e sustentabilidade ambiental, através de um território equilibrado e de uma sociedade mais coesa (inclusiva e meritocrática) e qualificada, com uma demografia dinâmica, em que se promova a dignificação do trabalho.  Defende ainda uma justiça ao alcance de todos e a tempo, um país aberto ao mundo, e mostra preocupação com as comunidades portuguesas no estrangeiro.

Ponto Chave: Promoção do Crescimento e da Coesão

Bloco de Esquerda 

O BE deseja uma sociedade mais justa – incluindo a justiça fiscal – moderna e inclusiva, onde não exista discriminação; considerando que as áreas mais importantes para a democracia são: o ensino, a justiça e a cultura. Deseja uma sociedade sem estagnação

Ponto Chave: Proteção das Pessoas

Coligação Democrática Unitária

A CDU propõe uma política patriótica e de esquerda que se traduz fundamentalmente em dois pontos: Um Estado grande e forte, como a única forma de proteger os cidadãos. A partir do qual saem todas as ajudas e medidas sociais.  Um país coeso e soberano que deve proteger a economia nacional.

Ponto Chave: Defesa dos Trabalhadores

Centro Democrático Social – Partido Popular 

Uma sociedade assente na defesa da vida e na liberdade de expressão. Valoriza a centralidade da família, a diminuição do peso do Estado, uma economia dinâmica e geradora de mobilidade social; que reforce a identidade nacional, a democracia e o combate à corrupção.

Ponto Chave: Defesa da Família e do Mundo Rural

Pessoas Animais Natureza

O programa do PAN coloca grande ênfase na dignidade e proteção dos animais, como seres sencientes e vulneráveis. Proteção do ambiente e sustentabilidade são mote para o funcionamento de tudo o que é economia e política. São o filtro a partir do qual se quer construir a sociedade.

Ponto Chave: Defesa dos Animais e do Meio Ambiente

Chega

O Chega propõe um estilo de vida que represente a família, o estado, a sociedade civil e a justiça ideais. Defende também uma política anti esquerda. Um combate forte à corrupção, à criminalidade. Voltar a trazer um Portugal que já foi grande.

Ponto Chave: Mudança de Sistema

Iniciativa Liberal 

Sociedade liberal, na economia e nos costumes, com o mínimo peso possível do Estado. É dada prioridade ao crescimento económico, pela simplificação fiscal e burocrática, e às liberdades individuais.

Ponto Chave: Promoção do Mercado Livre

Livre

 

O programa eleitoral do LIVRE apresenta uma “visão ecologista, cosmopolita, libertária e universalista que antecipa os desafios do século XXI”. Em muitos sentidos, o programa do LIVRE é uma proposta de transformação da sociedade com os olhos postos na Europa e no mundo, e com o foco na justiça social e ambiental. O partido apresenta-se ainda como “o partido português da Esquerda Verde”, enquadrando assim a sua visão num contexto europeu.

Ponto Chave: Visão Europeísta e Ecológica

 

2 – Quais são as prioridades políticas que estão enunciadas e quais as que faltam?

Partido Socialista

O programa do PS apresenta um conjunto de 12 prioridades para os próximos quatro anos:

– Convergir economicamente com a União Europeia entre 2021 e 2026;

– Manter as contas públicas certas. Reduzir, no mínimo, até 2026, o peso da dívida pública no PIB para valores inferiores a 110%;

– Alterar o regime de recrutamento, introduzindo fatores de estabilidade reforçada no acesso à carreira de professor;

– Prosseguir o trabalho de revisão e generalização do modelo das unidades de saúde familiar, garantindo que elas cobrem 80% da população na próxima legislatura;

– Garantir a visitação domiciliária pelos cuidados de saúde primários dos residentes em estruturas para idosos.

– Até 2026, aumentar para 80% o peso das energias renováveis na produção de eletricidade, antecipando em 4 anos a meta estabelecida

– Creches gratuitas, de forma progressiva, até 2024

– Aprovar as alterações legislativas para a Agenda do Trabalho Digno na AR até julho

– Discutir novas formas de equilíbrio dos tempos de trabalho, incluindo a ponderação de aplicabilidade em diferentes setores das semanas de quatro dias

– Aumentar até 2026 o peso das remunerações no PIB em 3% para atingir o valor médio da União Europeia – aumentar o rendimento médio por trabalhador em 20% entre 2022 e 2026

– Apoiar, até 2026, 30 mil jovens em cursos profissionais nas áreas emergentes e na formação superior nas áreas STEAM (Ciências, Tecnologias, Engenharias, Artes e Matemática)

– Aumentar em 25% face a 2017 o número de empresas nacionais exportadoras para atingir um volume de exportações equivalente a 53% do PIB em 2030

 

Partido Social Democrata

No cenário macroeconómico preparado pelo PSD, diz-se que “o programa do PSD centra-se num objetivo: tornar a economia portuguesa muito mais competitiva e com maiores níveis de produtividade.” Na introdução do programa é apresentado um conjunto de “medidas principais” transversais a vários sectores. Destacamos uma de cada área:

Economia: Aumentar o investimento privado e público para um total de 25% do PIB até 2030;

Impostos e Carga fiscal: Reduzir a taxa de IRC de 21% para 17% (2 p.p. em 2023 e 2 p.p. em 2024).

Natalidade: Abono de família pré-natal: alargamento da base de beneficiários, majoração em 50% para o segundo filho e de 100% para terceiro e seguintes. Majoração para famílias residentes no interior do País.

Ensino Superior: Ampliar a cobertura nacional de residências estudantis e reforçar os apoios sociais aos alunos deslocados; o PSD tem como objetivo duplicar o número de alunos em residências estudantis até ao final 2026.

Saúde Reorganizar o sistema de saúde e realizar a revisão da Lei de Bases da Saúde e um novo modelo de organização e financiamento, com uma forte aposta na digitalização.

Ambiente: Revisão Constitucional “verde”.

 

Bloco de Esquerda

O programa do BE apresenta-se em torno de quatro objetivos principais:

Resposta à Crise Climática: concretização da Lei do Clima com passos concretos para a redução de emissões. Descarbonização dos transportes públicos e redução dos preços dos mesmos. Requalificação das linhas ferroviárias de acesso a Lisboa e Porto e expansão das redes do metropolitano. Defesa de um Plano Ferroviário Nacional. Aumentar a área e o número de áreas protegidas terrestres e marinhas

Travar a devastação do SNS: aumento do investimento do SNS em percentagem no PIB, atraindo mais profissionais. Valorização dos profissionais e das suas carreiras associadas a um regime de exclusividade. Contratação de profissionais para zonas e serviços onde as listas de espera são mais longas. Garantia de um médico e equipa de saúde familiar para todas as pessoas.

Uma Economia pela Igualdade: recuperar o salário médio, através do aumento do salário mínimo, e justiça para quem trabalhou (pensões e segurança social estável e equilibrada). Reforço do Rendimento Social de Inserção. Criação de uma estratégia nacional para a erradicação da pobreza e exclusão social. Concretizar a Lei de Bases da Habitação. Imposto sobre doações e heranças e sobre as grandes fortunas.

Tornar mais fortes os serviços públicos em áreas importantes para a democracia (educação, justiça e cultura).

JUSTIÇA: Incentivo à contratação e vinculação dos docentes contratados e contratadas. Inclusão das creches no sistema educativo. Dignificação do sistema de execução de penas. Elaboração de uma Desvinculação do país do Tratado Orçamental que consagre um Serviço Nacional de Justiça.

CULTURA: 1% do PIB para a Cultura. Alteração do Estatuto dos Profissionais da Cultura. Financiamento plurianual dos equipamentos públicos.

EDUCAÇÃO: 3% do PIB em investimento em ciência e investigação. Eliminação das propinas de licenciatura e diminuição das propinas de mestrado e doutoramento.

Propostas para melhores políticas europeias: saída da NATO. Reforço dos compromissos de acolhimento de pessoas refugiadas e migrantes e denúncia do acordo entre a União Europeia e a Turquia. Autonomia total do país na tomada de decisões sobre o sistema financeiro. Desvinculação do país do Tratado Orçamental.

 

Coligação Democrática Unitária

No seu compromisso eleitoral, a CDU apresenta “dez questões cruciais para a vida e o futuro do país”, defendo medidas concretas para cada uma destas questões. Enunciam-se aqui as “dez questões cruciais”:

– Realizar o aumento geral dos salários, uma emergência nacional;

– Garantir os direitos das crianças e dos pais, responder ao défice demográfico, travar a emigração dos jovens;

– Combater a pobreza e as desigualdades, valorizar as reformas e pensões;

– Defender o direito à saúde, salvar o Serviço Nacional de Saúde;

– Promover o direito à Educação, à Ciência, à Cultura e ao Desporto, mais e melhores Serviços Públicos;

– Assegurar o direito de todos à habitação e à mobilidade;

– Uma justiça independente e acessível a todos e o combate à corrupção;

– Assegurar justiça fiscal, aliviar os impostos sobre o trabalho e as Micro Pequenas e Médias Empresas (MPME), obter meios para os serviços e investimento públicos;

– Promover um ambiente saudável e garantir o acesso à água e à energia, a preservação dos ecossistemas naturais, das florestas e da biodiversidade;

– Dinamizar o desenvolvimento económico – mais produção nacional, mais emprego, defesa das MPME.

 

Centro Democrático Social – Partido Popular

Dos 15 compromissos apresentados pelo CDS, destacam-se as seguintes orientações:

– Defesa da vida e da família;

– Liberdade de Educação e de Expressão, nomeadamente procurando contrariar a “ideologia de género”;

– Dinamização da Economia, nomeadamente através da descida de impostos para cidadãos e empresas, e da “libertação do peso da empresas públicas” e apoio às empresas privadas;

– Promoção do mundo rural e das políticas de Mar;

– Promoção do património cultural e identidade Nacional;

– Reforço da Democracia e da Descentralização;

– Reforço da autonomia das forças armadas e da autoridade e eficácia das forças de segurança.

Pessoas Animais Natureza:

Rege-se por uma lista de 25 prioridades, das quais destacamos 10:

– Criar o Ministério da Economia e das Alterações Climáticas e o Ministério do Ambiente, Biodiversidade e Proteção Animal;

– Deseucaliptar Portugal e ordenar a floresta;

– Eliminar os apoios financeiros para exploração de animais de pecuária, redirecionando esses apoios para a agricultura ambientalmente responsável;

– Garantir o acesso democrático à energia através de comunidades de energia renovável e comunidades cidadãs de energia;

– Ligar todas as capitais de distrito através da ferrovia e criar ligações de alta velocidade para a Europa, até 2030;

– Reduzir o número de estudantes por turma para melhorar as aprendizagens e rever o modelo de acesso ao ensino superior;

– Apostar num sistema de saúde preventiva, de proximidade e valorizar o SNS bem como os/as seus/suas profissionais;

– Inserir a proteção animal na Constituição e alargar a criminalização dos maus tratos a todos os animais;

– Reduzir a carga fiscal sobre a classe média (revisão dos escalões de IRS);

– Apoiar as empresas, reduzindo o IRC para 17% até 2026.

 

Chega

O Chega apresenta-se com um programa eleitoral, “contra os socialismos” e “por um novo regime democrático: Deus, Pátria, Família e Trabalho”. Apresenta também um conjunto de 100 medidas, das quais destacamos 13:

– Padrão de família “normal” como célula fundamental da sociedade;

– Reverter grande parte do que a esquerda fez. Menos solidariedade, mais auto-responsabilidade

– Reverter o relativismo histórico que vem de uma discriminação positiva;

– Fomentar o crescimento económico reduzindo impostos e tornar o Estado “uma pessoa de bem”;

– Reformar a justiça: penas mais gravosas e maior independência em relação ao poder político;

– Tornar a saúde acessível a todos e a tempo (privado, social ou público);

– Elevar os professores a figuras respeitáveis e imunes a ideologias;

– Combater a crise demográfica lutando contra a imigração e fomentando a natalidade dos que naturais de Portugal;

– Respeitar as forças de segurança;

­- Tornar o crime de fogo posto um crime de terrorismo;

– Robustecer as pensões;

– Investimento forte nas forças armadas;

– Ajudar os jovens a singrar na vida (habitação, ideologicamente, benefícios fiscais).

Iniciativa Liberal

A IL apresenta 5 grandes objetivos, a saber:

– Crescimento económico e política fiscal (menos impostos em todos os sectores);

– Poder político mais próximo (através da “descentralização” e de maior escrutínio político);

– Liberdade de escolha na saúde e educação;

– Menos investimento público e “empresas públicas insuficientes (“emagrecer o Estado”), mais cooperação com privados e alterações aos modelos de gestão em todos os sectores;

– Combate à corrupção (transparência do Estado e reforma da justiça).

Livre

O programa do LIVRE está estruturado em torno de 21 prioridades, tais como:

– Desenvolvimento Ecológico e Solidário;

– Igualdade, Justiça Social e Liberdade;

– Conhecimento, Ciência e Ensino Superior;

– Emergência Climática e Energia;

– Economia Circular;

– Bem-estar e Direitos Animais.

A principal prioridade do LIVRE é promover um novo modelo de desenvolvimento para Portugal que se sustente na qualificação abrangente e avançada da população e em políticas que garantam justiça intergeracional, sustentabilidade ambiental e igualdade social.

 

3 – Em que parâmetros este programa se aproxima da Doutrina Social da Igreja e em quais se afasta?

Partido Socialista

O programa do PS aproxima-se do princípio da dignidade da vida humana na preocupação com a pobreza infantil, a educação dos jovens, a saúde dos idosos e a melhoria dos cuidados paliativos. Aproxima-se também com a proposta de medidas de prevenção face à violência contra os mais vulneráveis, em particular as mulheres, bem como na preocupação com os salários e as condições de trabalho.

O programa do PS aproxima-se do princípio do bem comum e do destino universal dos bens na preocupação com a integração dos migrantes e refugiados, com a transparência e justiça fiscais. Afasta-se possivelmente com algumas propostas cujas consequências são imprevisíveis, e potencialmente desestabilizadoras da nossa economia, como a semana de quatro dias de trabalho.

Quanto ao princípio da subsidiariedade e participação, aproxima-se, pois manifesta a necessidade de colaboração do Estado com os setores privado e social, na prestação de cuidados de saúde. Contudo, prevê uma cooperação limitada e condicionada pela capacidade de resposta do Estado. Ao mesmo tempo, afasta-se ao não prever uma cooperação mais explícita com o setor privado no ensino. Podemos questionar-nos, também, como se irão concretizar os apoios diretos (a empresas, por exemplo) provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência, que é muitas vezes referido no programa do PS.

Relativamente ao princípio da solidariedade, aproxima-se com a preocupação com as gerações futuras, nomeadamente quanto às alterações climáticas.

Partido Social Democrata

O programa do PSD aproxima-se do princípio da dignidade da vida em humana em propostas como a implementação de um programa de apoio ambulatório aos idosos dependentes e o reconhecimento da importância, e garantia de apoio e formação aos cuidadores formais e informais.

O programa do PSD aproxima-se do princípio do bem comum e do destino universal dos bens, por exemplo na educação, com a proposta de recuperação do tempo de serviço dos docentes; nos apoios à natalidade; no ensino superior, através da cobertura nacional de residências estudantis; e na habitação através de um programa para a eficiência energética; no sector bancário, através de um mecanismo comum de segurança orçamental para o Fundo Único de Resolução; entre outras. Afasta-se potencialmente, por exemplo, ao não qualificar como prevê reorganizar o sistema nacional de pensões.

Quanto ao princípio da subsidiariedade e da participação, aproxima-se, possivelmente nas seguintes propostas: na economia, através da criação de uma entidade independente para a promoção e o desenvolvimento da economia nacional do Mar e de um Programa Estratégico e dos Fundos Europeus; na política ambiental, na criação de um Programa Ação Climática, Transição Energética e Ecoinovação que envolva as empresas, entre outras.

Por fim, aproxima-se ao princípio da solidariedade na preocupação com a carga fiscal e com a Justiça, bem no combate à pobreza e às desigualdades sociais em Cooperação com a União Europeia e ACNUR. Importa qualificar em que medida as políticas fiscais propostas podem eventualmente afastar-se deste princípio da solidariedade.

Bloco de Esquerda

O programa do BE aproxima-se do princípio da dignidade da vida em humana na visão de que todos merecemos o direito ao trabalho, ao salário justo, a uma casa “quente no inverno e fresca no verão”, à não discriminação; nas propostas relativas aos Cuidados paliativos, cuidados continuados e hospitalização domiciliária, bem como no reforço do apoio às vítimas de violência doméstica. Afasta-se na manifestação a favor do aborto e afirma que a objeção de consciência não pode limitar o acesso das mulheres ao aborto. É contra os três dias de reflexão antes do processo de aborto. É a favor da eutanásia.

O programa do BE aproxima-se do princípio do bem comum e do destino universal dos bens na ideia de um país que se preocupe com as alterações climáticas, com a concretização da Lei do Clima, e na proposta de incentivo à contratação e vinculação dos docentes contratados.

Quanto ao princípio da subsidiariedade e da participação, aproxima-se na defesa do direito ao voto, na eliminação das rendas excessivas e na erradicação da pobreza energética. Afasta-se ao não revelar interesse em apoios ou cooperação com a iniciativa privada, preferindo a nacionalização de muitas empresas em vários setores (revela, no entanto, preocupação com as pequenas e médias empresas).

Por fim, aproxima-se quanto ao princípio da solidariedade na defesa dos direitos dos imigrantes e de todos os que procuram em Portugal um país seguro para viver, bem como no combate às desigualdades salariais entre homens e mulheres e à desigualdade fiscal.

Coligação Democrática Unitária

A CDU no seu programa eleitoral aproxima-se do princípio da dignidade da vida humana ao querer “assegurar a dignidade dos idosos, combater a pobreza e as desigualdades, valorizar as reformas e pensões, combater os baixos salários”. Também votou contra a eutanásia na anterior legislatura. Por outro lado, votaram a favor aborto, noutra legislatura, afastando-se deste princípio.

Quanto ao princípio do bem comum e do destino universal dos bens, o programa da CDU aproxima-se deste princípio ao querer “promover um ambiente saudável e garantir o acesso à água e à energia, a preservação dos ecossistemas naturais, das florestas e da biodiversidade”, bem como “a garantia de apoio à agricultura familiar, a redução de custos com combustíveis para agricultores e pescadores; a consagração da eletricidade verde para agricultura e medidas diversas para a defesa da floresta.” Em determinados pontos de vista, pode afastar-se nas propostas económicas, como a proteção da produção nacional e o aumento do salário mínimo,

O programa da CDU aproxima-se do princípio da subsidiariedade e da participação ao querer garantir os direitos das crianças e dos pais, responder ao défice demográfico, travar a emigração dos jovens, bem como uma justiça independente e acessível a todos e o combate à corrupção. Afasta-se ao não revelar preocupação com apoios ou cooperação com a iniciativa privada (com exceção de pequenas e médias empresas), preferindo a nacionalização de muitas empresas em vários sectores.

Por fim, não existe referência nenhuma aos refugiados no documento de 2022, mas existe programa de 2019, pelo que se pode aproximar do princípio da solidariedade neste sentido. Ao referir a necessidade de combater “a esmola e o assistencialismo, atentatórios da dignidade humana”, pode-se afastar do sentido de solidariedade defendido pela Doutrina Social da Igreja (CDSI §351 “A solidariedade sem subsidiariedade pode, de facto, degenerar facilmente em assistencialismo”).

 

Centro Democrático Social – Partido Popular

O programa do CDS aproxima-se do princípio da dignidade da vida em humana através da defesa da Vida e da Família, através, por exemplo, de propostas como o vale do cuidador, o vale farmácia, os apoios à natalidade ou uma rede de cuidados paliativo, posicionando-se contra a eutanásia.

Aproxima-se do princípio da subsidiariedade e da participação através da valorização das instituições, das famílias o sector privado, do sector social nos diversos sectores, da economia à educação. Pretende também reformar a lei eleitoral para uma proposta que contemple círculos unimodais e círculos plurinominais, tendo em vista a maior representatividade política no país. Seria preciso qualificar como funcionam as propostas da “via verde na saúde” e do “cheque ensino” para garantir que não se afastam deste princípio.

Afasta-se do princípio do bem comum e destino universal dos bens ao revelar pouca preocupação com as crise ambiental com ecologia integral, reduzindo-a ao mundo rural, e pouca noção de justiça na distribuição universal dos bens (ausência políticas estruturais contra a pobreza).

Parece ter uma visão pouco alargada da solidariedade com a ausência de temas como migrantes e refugiados.

Pessoas Animais Natureza

O programa do PAN afasta-se do princípio da dignidade da vida humana porque é a favor da eutanásia e porque equipara animais e seres humanos do ponto de vista da dignidade, direitos e justiça. Não vai contra a DSI, mas não se compatibiliza com a ideia de ser humano da DSI.

O programa do PAN aproxima-se do princípio do bem comum e destino universal dos bens sobrepor o Bem Comum aos interesses pessoais, não descartando a dignidade absoluta de cada indivíduo. Articula o seu programa com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU e põe um grande foco na Ecologia Integral. Afasta-se talvez na relação com a produção de pecuária, pese embora a intenção de promover a agricultura sustentável.

Afasta-se do princípio da subsidiariedade e participação ao propor a criação de um sistema de saúde público para animais, pois a subsidiariedade entende-se com referência à dignidade da vida humana. Aproxima-se ao dar um grande foco às pequenas empresas, pequenos agricultores e comunidades, nomeadamente na produção de energia;

Aproxima-se do princípio da solidariedade ao guiar-se, por exemplo, pelo princípio de “humanos antes das fronteiras”. Defende a proteção e acolhimento de refugiados e migrantes.

Chega

O programa do Chega aproxima-se do princípio da dignidade da vida humana ao afirmar-se contra o aborto e eutanásia e ao entender a família como centro e base da sociedade, mas afasta-se com propostas como a castração química, prisão perpétua e perda de direitos de reclusos.

Aproxima-se do princípio do bem comum e do destino universal dos bens ao mostrar grande preocupação com os incêndios florestais, desertificação, o futuro da juventude, bem como nas propostas de apoio à natalidade, mas afasta-se, por exemplo, ao não ter propostas suficientes no âmbito ambiental nem de combate à pobreza.

Pode aproximar-se do princípio da subsidiariedade e participação ao querer mais cooperação entre público e privado na saúde e educação, e ao querer dar “liberdade de escolha” às famílias e cidadãos, pese embora a discutibilidade das suas propostas a este respeito. Afasta-se do princípio ao não ver as outras nações como fonte de universalidade, ao propor, por exemplo, “medicinas alternativas” no âmbito do SNS, ao querer reduzir o número de deputados, e ao não ser claro o procedimento e as consequências da “mudança de sistema” que propõe, em geral.

Aproxima-se do princípio da solidariedade ao referir a “solidariedade entre gerações” a propósito da segurança social, mas afasta-se ao marcar o seu discurso com a ideia de “parasitismo social”. Afasta-se também ao não reconhecer no imigrante alguém que possa precisar de ajuda, por exemplo.

Iniciativa Liberal 

O programa da IL aproxima-se do princípio da dignidade da vida humana através do compromisso com a posição de Portugal na proteção dos Direitos Humanos no plano internacional, por exemplo; mas afasta-se nomeadamente com a proposta da reposição do banco de horas (até 50 horas de trabalho semanais. Cf. DSI §294 conciliação do trabalho com a vida familiar).

Quanto ao princípio do bem comum e do destino universal dos bens ao prever a fixação de um teto (valor máximo) no valor das pensões mais elevadas para compensar pensões mais baixas atualmente e prevê que o crescimento económico contribuirá para o crescimento do emprego e para o aumento do salário médio. Afasta-se potencialmente ao não serem claras as consequências da capitalização de parte do fundo de pensões; através da proposta do flat tax – taxa única de IRS e IRC a 15% (Cf. CDSI §355: “racionalidade e equidade na imposição dos tributos”); através da venda de imóveis públicos para a sua requalificação e “aumento da oferta”, não sendo claro se isto consegue por si diminuir os preços praticados. Também não é claro que as propostas para a floresta e agricultura (focadas no regadio e fitofarmacêuticos) garantam estabilidade e segurança. Seria preciso questionar também de que bens se está a abdicar através das privatizações que são propostas (e.g., RTP, CGD).

Relativamente ao princípio da subsidiariedade e da participação, a IL tem várias propostas que se podem aproximar deste desígnio, através da descentralização na máquina do Estado e atribuição de autonomia para os municípios (e.g. salário mínimo municipal?), e de autonomia a nível administrativo, financeiro e pedagógico para as escolas. Propõe ainda uma alteração à lei eleitoral: círculos uninominais mais pequenos e defende o “choque desburocrático” e redução de impostos para incentivar a iniciativa privada, desenvolvimento agrícola, e desenvolvimento científico (mecenato científico). Há ainda duas propostas estruturais que convidam a uma discussão sobre a aplicabilidade destes princípios: a descentralização do SNS, através de um modelo de subsistemas de saúde em concorrência entre si, em contratações com o sector privado e social (com fundos públicos), e a concorrência entre escola pública e privado através, e.g., do cheque-ensino (com fundos públicos).

O programa da IL aproxima-se do princípio da solidariedade através de uma cooperação com os países lusófonos no âmbito da pandemia, mas afasta-se ao não ser claro o projeto para a proteção social e as medidas de combate às situações de pobreza mais enraizadas, nem a política de cooperação com os países menos desenvolvidos fora do âmbito da pandemia.

Partido Livre

O programa do Livre aproxima-se do princípio da dignidade da vida humana ao recusar a mercantilização das pessoas, ao querer combater a segregação, a violência de género, doméstica e no namoro; ao pretender assegurar a proteção social e laboral e garantir o respeito pela dignidade das pessoas que se prostituem; ao apoiar a parentalidade; ao considerar a família parte integrante e primordial da comunidade. Contudo, afasta-se na medida em que defende um conceito de dignidade que inclui “possibilitar uma morte digna, através da despenalização e legislação da morte assistida”.

Aproxima-se do princípio do bem comum e destino universal dos bens ao defender a transição para um novo modelo de desenvolvimento sustentável (ecológico e solidário) que valorize o bem-estar, a realização, a saúde e a felicidade da geração atual e das gerações futuras e o uso sustentável dos recursos do planeta. Contudo, esta mudança de paradigma, por ser ambiciosa, pode resultar em consequências incertas para a nossa comunidade. Ao mesmo tempo, algumas medidas concretas, como “testar (…) um Rendimento Básico Incondicional”, podem gerar instabilidade e não ser sustentáveis, afastando possivelmente o programa do LIVRE deste princípio

Aproxima-se do princípio da subsidiariedade e participação em alguns aspetos, por exemplo com a defesa da gestão democrática das escolas, valorizando a sua envolvência com a comunidade em que se inserem e a participação das famílias nesse processo. Ao mesmo tempo, afasta-se ao não reconhecer a importância do setor social e privado no que toca à prestação de cuidados de saúde ou à educação, por exemplo.

Aproxima-se do princípio da solidariedade ao querer combater a pobreza, redistribuir a riqueza e promover a autonomia económica; combater a discriminação etária e proteger e promover os direitos das pessoas com deficiência.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.