Várias rentrées e uma lição espanhola

As Eleições Europeias perfilam-se como verdadeiros testes para o Governo de maioria absoluta e para uma oposição que se quer afirmar como alternativa credível.

Enquanto muitos se afadigam a antecipar cenários de eleições presidenciais, ou a tentar (em vão) retirar substância política de picardias institucionais entre Belém e S. Bento, poderá valer a pena olhar para as interações partidárias neste início de ano. Se, por um lado, nos encontramos a dias da corrida regional na Madeira, as Eleições Europeias perfilam-se como verdadeiros testes para o Governo de maioria absoluta e para uma oposição que se quer afirmar como alternativa credível. E que lição tirar do impasse espanhol?

 

Partido Socialista

A rentrée socialista foi em Évora, na Academia Socialista promovida pela JS. As palavras do primeiro-ministro na abertura dividiram-se entre o elencar da obra feita desde 2015 e as promessas para o futuro dos jovens. Valorizando a política de “contas certas” que permite tomar opções políticas na saúde, na educação e no clima, Costa apresentou um vasto pacote de medidas de apoio aos jovens. Sobressaem a devolução de propinas para quem ficar a trabalhar no país, o IRS zero no primeiro ano de trabalho, a gratuidade do passe sub-23, as férias em pousadas da juventude, e ainda um cheque-livro como prenda de aniversário pela maioridade. O tema quente da habitação não ficou fora do discurso, com uma bicada à imoralidade dos “velhos do Restelo” que teimam a manter as casas fechadas, enquanto são os “otimistas irritantes” a querer que o país “ande para a frente”. Em campanha na Madeira, reconheceu a dificuldade de “ser socialista na Madeira”, mas garantiu que o apoio solidário do seu executivo à região vai continuar a ser prestado.

 

Partido Social Democrata

Na festa do Chão da Lagoa, Montenegro pediu que os madeirenses dessem uma “maioria” à coligação do PSD/CDS para reeleger Albuquerque como Presidente, passo importante para colocar, como o próprio cantou, “Montenegro em São Bento”. Quase um mês antes da rentrée socialista, na tradicional festa do Pontal, Luís Montenegro fez-se acompanhar de Carlos Moedas e Carlos Carreiras, após o sucesso na organização da Jornada Mundial da Juventude. Na sua mira esteve um ataque cerrado à carga fiscal socialista, defendendo uma diminuição da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho. Propõe-se a diminuição de 1,2 milhões de euros no IRS das famílias, um IRS máximo de 15% para jovens até aos 35 anos e a atualização dos escalões tendo em conta a inflação. Já no encerramento da Universidade de Verão da JSD, a referência do líder laranja às eleições europeias de junho foi clara: “Sim, nós estamos aqui para ganhar as próximas eleições europeias!”, correspondendo à prioridade que dias antes Durão Barroso ali mesmo tinha apontado.

 

CHEGA

O Chega reuniu-se em Lagos para a reentrada política de um ano que o líder antecipou como “nada fácil”. De facto, condenou a “perseguição” do Tribunal Constitucional face às sucessivas convenções estatutárias do partido, alegando a influência do PSD e do PS nestas decisões. Recentemente, foi autorizada a ida às urnas das listas do Chega para a Assembleia Regional da Madeira, semanas depois da polémica deslocação de André Ventura ao Arquipélago em plena Jornada Mundial da Juventude. Para Ventura, o Chega representa a luta contra o “compadrio e o aniquilamento democrático” na Região, sendo “a única força que pode tirar a maioria absoluta ao PSD na Madeira”. Este discurso terminou com um desafio: “Ganhem-nos nas urnas e não na secretaria!”. Já na IIIª Academia de Verão da juventude do Partido sobre a Europa, denunciou a “criminalização da história” sobre os Descobrimentos e a “imigração acelerada” que não se identifica com a cultura nacional. O partido está em processo de escolha do rosto com que quer dar seguimento, nas Europeias, ao crescimento eleitoral protagonizado por Ventura.

 

Iniciativa Liberal

Desde Armação de Pêra, em pleno agosto, os liberais apresentaram “10 compromissos” para abrir a Economia, a Habitação, a Saúde e a Educação. Perante o paradoxo entre “a Economia ir muito bem” e de nada “ter chegado ao bolso dos portugueses”, Rui Rocha denunciou a “mão visível de António Costa” que coloca o dinheiro no “cofre de Fernando Medina”. Criticou frontalmente as medidas do programa “Mais Habitação” por considerar que “não é solução” congelar rendas, forçar expropriações ou aniquilar o Alojamento Local. As metas para a Madeira e a Europa são as mesmas: eleger deputados.

 

Partido Comunista Português

Na primeira festa do Avante de Paulo Raimundo como Secretário-Geral dos comunistas, o novo líder garantiu que os silenciamentos “mais ou menos organizados” não conseguem esconder a presença do PCP. Apresentou o partido como aquele que “está lá todos os dias”, defendendo o aumento em 7,5% das pensões e a definição de um spread máximo de 0,25% no crédito à habitação. Denunciou a contradição entre a “propaganda socialista e a vida dura dos trabalhadores” e vaticinou o destino do PCP, em vésperas de eleições na Madeira: crescer, alargar-se e reforçar-se “a bem do povo”. Já sobre a Europa, Raimundo voltou a criticar a guerra e ironizou sobre o quanto falta até às eleições de junho – “daqui até lá, não nos doam as costas”.

 

Bloco de Esquerda

Uma semana depois da festa no Seixal, a rentrée do Bloco foi em Viseu. O “Fórum Socialismo” deste ano foi o primeiro que contou com Mariana Mortágua no papel de Coordenadora do partido. Mortágua apelou a uma grande mobilização nas ruas para combater a “pandemia social” que afeta a habitação: controlar as rendas e reduzir as margens dos bancos são medidas urgentes para “agora”. A líder associou a maioria socialista aos movimentos de especulação imobiliária – “sonho dos liberais e de toda a direita e extrema-direita” – começados por Assunção Cristas. Por fim, a coordenadora nacional qualificou as mais recentes polémicas institucionais entre Belém e São Bento como “política farsola” que “disfarça o desastre social” de um país em que “o salário não dá para a vida”. Sobre a Madeira, Mariana não coloca “outra possibilidade que não seja eleger”. Para as Europeias, a fasquia é ainda mais alta: ser “terceira força” e ficar “à frente do Chega”.

 

Pessoas Animais Natureza

Sob o lema “A nossa casa comum”, o PAN reuniu-se em Oeiras para lançar um ano político de grandes desafios. Inês Sousa Real contrapôs a “euforia” de António Costa com a “asfixia” em que vivem as famílias. Um dia depois, já na Madeira, Sousa Real sublinhou que o PAN quer voltar à Assembleia Legislativa, depois de ter perdido a representação, para quebrar com um ciclo de governação conservador. Assume como bandeiras os desafios da insularidade, das alterações climáticas e da habitação. Tanto para as Regionais como para as Europeias, depois de algumas negociações, caiu por terra a hipótese de concorrer em coligação com o Livre.

 

Livre

O partido de Rui Tavares reuniu-se de 9 a 10 de setembro em Setúbal para o encontro “Os Setembristas”, onde se debateram ideias “progressistas e ecologistas para o futuro do país, da Europa e do planeta”. Destacam-se duas propostas: uma “linha nacional para a prevenção do suicídio” a funcionar 24 horas; e uma lei da autogestão que procura dar força e poder “à maioria precarizada”, a aprovar antes do 25 de abril. Na Madeira, o Livre é estreante e está disponível para apoiar um governo regional de esquerda. Na Europa, o país foi este ano integrado no Partido Verde Europeu, o que lhe permite participar da construção do Manifesto do Partido Verde Europeu e desejar “passar da divisão dos partidos pequenos para os médios”.

 

CDS – Partido Popular

O início do ano político dos centristas deu-se na Festa dos Romeiros, na Madeira, procurando capitalizar a obra feita no governo regional em coligação com o PSD. Aprofundar a autonomia e o crescimento económico é o que promete Rui Barreto para revalidar a maioria. Já no Largo do Caldas, numa tarde que juntou pesos pesados da história do partido, Nuno Melo fez-se acompanhar por Paulo Portas, Manuel Monteiro e Assunção Cristas para dizer que “o CDS faz falta a Portugal” e que nenhum outro partido representa hoje no Parlamento “o que o CDS é”. Foi apresentada por António Lobo Xavier a nova Declaração de Princípios do partido que “rejeita os populismos” e reafirma o “acolhimento” a liberais e a conservadores democráticos. As Europeias são vistas como “prova de vida” e “primeiro passo para a construção da alternativa nas Legislativas”.

 

Uma lição espanhola

Para terminar, fará sentido lançar um breve olhar para Espanha e retirar alguma lição do complexo processo político em curso. Na sequência da vitória esmagadora do PP e da direita nas eleições Municipais e Regionais de maio, o primeiro-ministro Pedro Sanchéz quis antecipar as Legislativas, numa tentativa de conter o declínio das intenções de voto à esquerda, acenando com o fantasma da extrema-direita. Apesar da derrota do PSOE, o bloco das esquerdas derrotadas, ainda em negociação com os independentistas catalães, parece estar em melhores condições para formar governo do que qualquer solução encabeçada por Alberto Feijóo. Provavelmente, estaremos diante de uma “geringonça espanhola”.

O rumo dos acontecimentos, refletindo sobre eventuais paralelos na cena política portuguesa, faz-me observar o seguinte:

1. Em situações de impasse, o eleitorado prefere soluções moderadas e clareza quanto à política de alianças pós-eleitorais. Se Feijóo tivesse sido mais implacável ao separar as águas face ao Vox, poderia ter capitalizado ainda mais sobre o declínio socialista de maio e evitado o voto anti-Vox no PSOE.
Que nível de ambiguidade manterá Luis Montenegro sobre a dependência do CHEGA em futuras geometrias parlamentares?

2. Parece inocente da parte de Feijóo querer forçar uma legislatura minoritária, ainda que a prazo. Isto porque ainda há poucos meses, na sequência das eleições regionais, deu o aval ao seu partido para firmar acordos com o Vox em regiões e municípios onde o PSOE tinha ganho com minoria.
Será que a direita portuguesa alguma vez terá flexibilidade para formar uma “caranguejola” nacional, ou a experiência débil nos Açores não é para repetir?

3. Nunca esquecer o caminho de vitória em vitória da Presidente da Comunidade Autonómica de Madrid. Isabel Díaz Ayuso, conseguiu em maio a maioria absoluta para governar Madrid, sem precisar dos deputados ou da abstenção do Vox, depois de uma gestão pandémica audaz e de resultados económicos inegáveis. Parece seguir como o segundo rosto do PP no combate ao “sanchismo”, pronta para o que o futuro trouxer.
Qual o potencial político de Carlos Moedas, após o sucesso da JMJ, mas liderando um executivo lisboeta minoritário? Deve procurar consolidar a sua posição ou almejar desde já voos maiores, numa altura em que a oposição de Montenegro teima em não descolar do PS nas sondagens?

Muito antes das Presidenciais, as eleições na Madeira são o prato forte desta rentrée política. Mas serão as Europeias o grande teste ao Governo e à oposição, no perspetivar da política de alianças para o pós-maioria absoluta.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.