Sabemos, e é dito frequentemente nos mais variados fóruns, que a educação é um direito. É-o de facto, mas enquanto educadora, e tendo trabalhado em contextos educativos diversos, tenho-me deparado com muita diversidade de perspetivas e entendimentos em relação a esta ideia, aparentemente simples e consensual.
Nesse sentido, partilho algumas perguntas que talvez possam ajudar a refletir sobre esta questão. Começo por ir diretamente à questão que me parece que menos tem ocupado boa parte das discussões sobre educação:
- A educação é um direito para quem? Terão todas as pessoas igual acesso à educação?
Estarão as características e condições objetivas da vida das pessoas a interferir com o seu direito à Educação? Terão a idade das pessoas, a sua eventual diversidade funcional, o género, as condições materiais de que dispõe, ou não dispõe,, o local onde vivem e outras, impacto nas possibilidades de cada indivíduo de ter efetivamente acesso a uma educação de qualidade?
Sabendo de todos os problemas que continuam a existir e de todas as melhorias que há ainda para fazer, parece-me que podemos dizer com justiça que Portugal evoluiu muito nas últimas décadas no que diz respeito ao acesso à educação de crianças e jovens, nomeadamente através do acesso, praticamente generalizado, à escola. Mas e quanto às pessoas adultas? E depois de nos reformarmos, onde fica o nosso direito à educação?
Dito isto, vale a pena avançar para uma segunda questão:
- Para que serve a Educação?
Tentando simplificar algo que é bem complexo, penso que se pode dizer que a educação será fundamental para que as pessoas tenham mais recursos para poder entender, interpretar e agir sobre o mundo em que vivem. Isto significa, portanto, que a educação nos enriquece enquanto seres humanos, por um lado, mas também deve contribuir para que sejamos parte de um coletivo para o qual, de diferentes formas, contribuímos. Ora, para podermos contribuir para a sociedade de que fazemos parte, precisamos de ir tendo acesso a mais conhecimentos e de desenvolver competências e capacidades diversas, que serão fundamentais para respondermos aos desafios com os quais inevitavelmente nos vamos confrontando ao longo da vida.
Isto significa, portanto, que a educação nos enriquece enquanto seres humanos, por um lado, mas também deve contribuir para que sejamos parte de um coletivo para o qual, de diferentes formas, contribuímos.
Por tudo isto, será obvio, mas prefiro sublinhar, que a educação está muito para além da educação formal providenciada pela escola, que, não obstante o seu papel especialmente relevante neste domínio, é uma parte de algo muito maior que a inclui, necessariamente.
A educação acontece em diferentes contextos e circunstâncias das nossas vidas, desde as famílias, aos grupos de amigos/as, às atividades de lazer e desporto a que nos dedicamos, às associações em que nos envolvemos, aos grupos mais diversos a que vamos pertencendo, de forma mais ou menos formal, de forma presencial ou em formatos online, através dos filmes que vemos, dos livros que lemos e por aí fora.
É por isso que importa convocar para esta reflexão os outros dois pilares da educação, que devem funcionar articuladamente entre si e com a educação formal: a educação não-formal e a educação informal.
Defendem algumas pessoas – e eu faço parte desse grupo – que a educação é um processo que pode acontecer ao longo de toda a vida, ou seja, desde que nascemos até quando morremos, e em toda a vida, ou seja, nos mais variados contextos em que a nossa vida acontece. Percebo quem defende que esta é uma ideia romântica e utópica, mas eu tendo a insistir nela. Estou convicta que há um potencial educativo que decorre de várias dimensões da vida das pessoas que se tende a desvalorizar, porque implica olhar com outros olhos para uma série de contextos e de lógicas de funcionamento comunitário para os quais o frenesim dos dias não nos deixa tempo ou nos quais não há muito interesse em apostar. E implica, claro, garantir que as pessoas têm a possibilidade de aceder a contextos e abordagens desafiantes, que lhes estimulem a curiosidade e a vontade de saber mais sempre, ao longo de toda a sua vida, não ficando limitadas a leituras dogmáticas, estáticas e obscuras do mundo, que está sempre em dinâmica, estimulante e acelerada mudança.
E por isso vale a pena lançar mais questões:
- Não precisará toda a gente de aprender permanentemente?
- Se o mundo vai mudando, trazendo perguntas, desafios e circunstâncias novas, não fará sentido refletir sobre novas possibilidades de resposta?
- E para isso será que não temos o direito de poder aceder facilmente a contextos de aprendizagem e de desenvolvimento de competências que tenham qualidade e que de facto nos ajudem a saber mais sobre um qualquer assunto em relação ao qual tenhamos curiosidade?
A necessidade de desenvolvimento de competências digitais, que evoluem a um ritmo muito acelerado, serão dos exemplos mais fáceis e óbvios para se perceber este ponto, mas não teremos aprendizagens a fazer ao nível da literacia em saúde, para podermos perceber melhor como lidar com as mudanças que vão acontecendo na nossa vida ao longo do tempo, seja em termos físicos como cognitivos, e saber como agir perante isso? E literacia financeira? Os exemplos serão infindáveis.
Não poderíamos ter espaços/contextos de debate sobre os grandes temas que estão a marcar a atualidade? Sobre estes mesmos temas que frequentemente nos são servidos pelos media ao almoço e ao jantar já mastigados, não raras vezes com perspetivas polarizadas, em que determinada situação é apresentada como boa ou má, sem margem para toda a complexidade que marca qualquer fenómeno ou acontecimento social.
Não poderíamos ter espaços/contextos de debate sobre os grandes temas que estão a marcar a atualidade? Sobre estes mesmos temas que frequentemente nos são servidos pelos media ao almoço e ao jantar já mastigados, não raras vezes com perspetivas polarizadas, em que determinada situação é apresentada como boa ou má, sem margem para toda a complexidade que marca qualquer fenómeno ou acontecimento social.
Cá por mim, penso que seria tempo de apostar em espaços comunitários de aprendizagem coletiva, de debate e de diálogo, eminentemente intergeracionais e que permitissem às pessoas aprender, aprender mais e aprender sempre. E ensinar, ensinar mais e ensinar sempre, porque é na partilha, no colocar em comum que crescemos todos, enquanto pessoas e, por conseguinte, enquanto coletivo de pessoas que coincidiram na oportunidade de partilharem a vida num mesmo tempo e num mesmo espaço.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.