“Eis-me aqui.” Passaram 10 anos desde o dia em que o recém-eleito Pontífice se apresentou ao mundo e nos pediu a bênção. O primeiro Papa nascido na América, o primeiro não europeu em mais de 1.200 anos e o primeiro jesuíta tinha escolhido Francisco para seu nome, e creio que estávamos longe de imaginar a novidade que isso traria à nossa vida, e à vida da Igreja e do mundo.
A vida de São Francisco de Assis tem sido inspiração para este pontificado, marcado pela atenção aos mais vulneráveis, pelo foco na construção da paz, e pela reflexão sobre o nosso lugar na Criação e o cuidado da Terra que habitamos. Através de uma linguagem simples e próxima, com gestos que apontam para Jesus, o Papa Francisco tem lembrado que o objetivo da Igreja não deve ser ocupar espaços, mas iniciar processos. E como isso tem sido desconcertante para tantos! Num tempo marcado pelas lógicas de produtividade e de eficiência, e ao mesmo tempo pelo relativismo e a polarização, este modo de fazer caminho pede uma Igreja capaz de fazer perguntas, de se ouvir, de ouvir os outros e de dialogar. O processo sinodal representa, sobretudo, uma proposta de uma nova atitude: a de estarmos à escuta do Espírito Santo, que fala em cada pessoa e em cada comunidade. Mais do que chegar a resultados, decisões ou a mudanças, trata-se de sermos uma Igreja em processo interior e em relação. A partir da sua vivência como jesuíta, o Papa apresenta o discernimento como dom para todos por permitir distinguir o que acontece no nosso mundo interior, ler os sinais e a partir daí fazermos caminho.
Através de uma linguagem simples e próxima, com gestos que apontam para Jesus, o Papa Francisco tem lembrado que o objetivo da Igreja não deve ser ocupar espaços, mas iniciar processos. E como isso tem sido desconcertante para tantos! Num tempo marcado pelas lógicas de produtividade e de eficiência, e ao mesmo tempo pelo relativismo e a polarização, este modo de fazer caminho pede uma Igreja capaz de fazer perguntas, de se ouvir, de ouvir os outros e de dialogar.
Perante desafios complexos, como as crises climática e migratória, a guerra, as desigualdades socioeconómicas, o Papa Francisco propôs uma leitura integral da realidade num documento cuja relevância e impacto ainda se fazem sentir. A Encíclica Laudato Si, publicada em 2015 e na qual se dirigiu a todas as pessoas de boa vontade, convida a uma conversão ecológica que permita descobrir o justo lugar na Criação, reconhecendo que todos estamos ligados e que somos habitantes de uma Casa Comum. A partir desse apelo, tantas pessoas, famílias, paróquias, comunidades religiosas e educativas, organizações e empresas, se animaram a iniciar percursos com vista a uma Ecologia Integral, que cuida verdadeiramente de todos e de tudo.
Em 2019, numa carta escrita aos jovens de todo o mundo, e perante o crescimento das desigualdades e o que chama de globalização da indiferença, o Papa questionou o paradigma económico atual para pedir uma economia mais humana, inclusiva e sustentável. A esse apelo responderam milhares de jovens de todo o mundo, economistas, investigadores, empreendedores, ativistas, que sentiram nas palavras de Francisco a oportunidade de partilharem e fazerem caminho a partir de tantos anseios e sonhos comuns. Desse apelo viria a constituir-se o movimento The Economy of Francesco (A Economia de Francisco) que hoje continua a pôr cabeças, mãos e coração, tríade sugerida pelo Papa, ao serviço de novos caminhos que tenham como bússola o bem comum.
Desse apelo viria a constituir-se o movimento The Economy of Francesco (A Economia de Francisco) que hoje continua a pôr cabeças, mãos e coração, tríade sugerida pelo Papa, ao serviço de novos caminhos que tenham como bússola
o bem comum.
Ao longo desta década, Francisco deu testemunho da beleza do encontro, da riqueza de sairmos de nós mesmos e de acolhermos a diferença. Na Encíclica Fratelli Tutti, publicada em plena pandemia e num contexto de isolamento social, o Papa apresenta a fraternidade e a amizade social como meios para um mundo mais justo e pacífico, lembrando que somos e vamos juntos. A partir da imagem das periferias, Francisco denunciou em inúmeros momentos sociedades que se esquecem dos mais frágeis, que discriminam, que marginalizam, que devotam ao abandono quem mais precisa. E, alertou também, para as periferias existenciais de que podemos ficar reféns, se esquecermos que o outro também sou eu. Para as pessoas em situação de pobreza e exclusão social, pediu um novo olhar, que reconheça a sua dignidade e a sua história, e que crie condições para que elas liderem o seu futuro.
O pontificado do Papa Francisco abriu ainda caminhos internos que importa que a Igreja continue a percorrer no sentido de recusar estruturas assentes em lógicas de poder, corrupção e abuso, e de promover a participação e colaboração eclesial, garantindo a representatividade das mulheres e das pessoas leigas. Ao promover e inspirar tantos processos, creio que o Papa Francisco contribuiu para a construção de uma nova visão para a Igreja: uma Igreja que não se anuncia a si própria, mas ao Evangelho, que não é uma alfândega, mas um hospital de campanha, uma Igreja onde caminhamos juntos, damos testemunho alegre e partilhamos com o mundo as razões da nossa fé e da nossa esperança.
O pontificado do Papa Francisco abriu ainda caminhos internos que importa que a Igreja continue a percorrer no sentido de recusar estruturas assentes em lógicas de poder, corrupção e abuso, e de promover a participação e colaboração eclesial, garantindo a representatividade das mulheres e das pessoas leigas.
10 anos depois creio que somos uma Igreja mais a caminho, mais capaz de dialogar, mais encarnada. Confiados no Espírito Santo que ilumina a vocação de cada um, sinto que é a nossa vez de nos dirigirmos a Deus ao lado do nosso Pastor Papa Francisco, e dizermos com sentido de unidade: “Eis-nos aqui. Dá-nos a tua bênção para sermos cada vez mais a Igreja enviada pelo teu filho Jesus.”
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.