No final do ano de 2019, fomos brindados com o último episódio de uma das maiores obras do cinema mundial, que marca fãs desde os anos 70 do século XX. “Há muito tempo, numa Galáxia muito, muito distante”, emergiu uma história repleta de dramas e vidas tocantes, marcada por uma luta entre bem e mal, movida por uma energia que em tudo se encontra, chamado “Força”. Esta energia tudo continha, tudo movia e em tudo deixava a sua marca. Guerreiros bons – Jedi –conseguiam servir a Força para o bem da Galáxia, enquanto vilões – Sith – tentavam manipular essa energia para a domina. Esta série está organizada em três trilogias: uma original, uma prequela e uma sequela. São três partes de uma única história que moveu os fãs durante os últimos quarenta anos.
Se ainda não viu o último episódio – e que pena seria se não visse – cuidado: spoilers ahead!
A trilogia original começa com o Império Galático em toda a sua força. Toda a Galáxia é dominada por um imperador, Palpatine, e por um seu aprendiz, Darth Vader, que mantêm a ordem do Império contra todas as forças rebeldes que lutam pelo seu fim e consequente restauração da República. No meio deste drama político interplanetário, assistimos a uma história de dois irmãos, separados à nascença e filhos de Darth Vader, que vêm a conhecer-se e a lutar juntos pela causa rebelde. São eles Luke Skywalker e Leia Organa. Leia é uma política influente, um dos líderes da Rebelião contra o Império. Ele treina para se tornar um jedi, no meio de uma luta interior constante entre os lados bom e mau da Força, acabando por derrotar e salvar o pai em combate. Luke “aceita a verdade” de Vader ser seu pai e contempla a sua conversão final. Afinal, afinal, não era “demasiado tarde” para Darth Vader.
O surgir das prequelas leva a uma nova visão sobre a história. Afinal, a história não é sobre os irmãos Skywalker que salvam a Galáxia, mas sobre Anakin Skywalker, seu pai, o Escolhido da antiga profecia: “Um Escolhido aparecerá, nascido sem pai, e através dele será restaurado o equilíbrio definitivo na Força”. Num planeta perdido, aparece este pequeno rapaz, concebido virginalmente, que acaba sendo descoberto pelos Jedi e treinado para se tornar um deles. A sua história torna-se uma verdadeira podrace em direção ao lado negro. Anakin, celibatário pela ordem Jedi, apaixona-se e casa em segredo, mantendo uma vida dupla com Padmé Amidala, rainha de Naboo. De cedência em cedência, o jovem jedi vai-se afastando do caminho Jedi. Há nele um grande desejo, para o qual não encontra resposta e com o qual não consegue lidar. Atormentado por uma visão em que Padmé morre, poucos anos após a morte de sua mãe, Anakin deseja aprender a forma de livrar as pessoas da morte. E, porque o lado bom da Força – pelo menos segundo Palpatine – não lhe dava resposta a este problema, deixou-se seduzir pelo lado negro, que lhe prometia uma solução.
A história de Star Wars, que tinha sido interpretada como a história da salvação da Galáxia por parte de Luke e da Rebelião, ganha agora, com a profecia, uma nova chave de leitura. Pela profecia, a vida de Anakin torna-se o fio condutor de uma única história: o protagonista não é o herói, Luke, mas o vilão, Vader. É Vader quem, com a sua decisão final pelo lado bom da Força, derrota o Imperador e salva a Galáxia. Aquele que traria o equilíbrio atravessou o lado negro da Força e, com a sua vida, escreveu uma nova história – ou reescreveu uma antiga –: a história da paz perpétua trazida à Galáxia pelo Escolhido.
No meio de tudo isto, uma questão se coloca. Como pode a profecia continuar a ser verdadeira, se o equilíbrio definitivo não chegou com a vida de Anakin?
Anos mais tarde, surge uma nova história. Há um mal que emerge e vai ganhando força, uma tal Primeira Ordem liderada por um líder marioneta – Snoke. Snoke é uma marionete de Palpatine, o velho Imperador, que afinal sobrevivera. A descendência de Palpatine termina em Rey, uma simples sucateira que vem a tornar-se jedi, treinada por Luke Skywalker. Às vidas de Luke e Leia Skywalker sucede-se uma descendência que marca a história: Leia e Han Solo (piloto rebelde bem conhecido da trilogia original) têm um filho, Ben Solo, que vem a ser treinado por Luke; seduzido por Snoke para o lado negro da Força, torna-se Kylo Ren. A paz conseguida em O Regresso dos Jedi não dura para sempre e dão-se uma série de novas batalhas, com uma Resistência montada contra a Primeira Ordem. Rey, com a ajuda de Ben – que acaba por voltar ao lado bom da Força –, consegue derrotar Palpatine. Pela exaustão do confronto, a neta do Imperador acaba por morrer, mas Ben Solo escolhe trocar a sua vida pela de Rey. No final, a resposta que Anakin tanto procurou, para vencer a morte, é encontrada por Ben Solo: também o lado bom da Força, numa expressão de dom gratuito, pode vencer a morte.
No meio de tudo isto, uma questão se coloca. Como pode a profecia continuar a ser verdadeira, se o equilíbrio definitivo não chegou com a vida de Anakin? Esta é a questão. Palpatine sobreviveu, Anakin morreu, um novo mal surgiu, a restauração dos Jedi falhou, Luke desistiu e duas novas vidas encontram-se em luta interior e exterior em relação à Força: Rey e Ben Solo. Não sendo já a vida de Anakin, também não parece que Rey e Ben sejam os novos protagonistas. Afinal, como conseguirão eles dar resposta à profecia? Não nos chega encontrar um protagonista de uma trilogia; procuramos o fio condutor de toda a saga. O que é que move realmente o enredo de Star Wars desde o princípio?
Naquela distante Galáxia, a Força foi sempre quem, através de vidas concretas – boas e más – guiou a história; é ela a providência, é ela quem permite ler a totalidade dos eventos. A Força manifestou-se e pessoas concretas fizeram escolhas de vida, até ao último momento da sua história. Anakin era realmente o Escolhido, mas foi escolhido pela Força, e a Força guiou o seu caminho. Palpatine levou Anakin a uma aparente perdição, mas a Força não desapareceu: tocou a vida de Luke, que salvou o pai do lado negro; tocou a vida de Rey e de Ben, numa díade que terminou na derrota de Palpatine e na morte e ressurreição de Rey Skywalker. A Força esteve sempre com eles, muito além do poder dos Jedi e dos Sith. Os Jedi tentaram usar Anakin como mascote, mas a Força soube aproveitar vidas e caminhos pouco ortodoxos, a fim de os transformar em histórias de verdadeira esperança para a Galáxia.
De Anakin a Rey, a Força concretizou completamente a profecia através das suas vidas. Ainda que em Rey estejam “todos os Jedi” e ela seja a última, a garantia do equilíbrio definitivo está dada: talvez ninguém tenha repetido a frase, tão icónica, may the Force be with you, mas isto é certo: a Força sempre esteve – sempre estará – com eles.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.