Só com o país a crescer, poderemos distribuir riqueza e gerar inclusão

A meta é comum, o caminho para a atingir tem de ser escolhido. Vendo a realidade com as suas potencialidades e contradições, julgando-a com os critérios perenes do Evangelho, somos chamados, como cristãos, a agir em consciência.

Dado o tiro de partida da campanha eleitoral para 10 de março, não é difícil reconhecer que a Economia será uma bandeira que todos os partidos querem erguer, para levarem avante a sua visão para o país.

Em particular, os dois candidatos a Primeiro-ministro reconheceram que essa é uma preocupação central dos seus programas:

O PS, no seu programa, ambiciona que Portugal tenha “um Estado capaz de estimular o crescimento económico, mantendo o controlo da despesa pública e a trajetória de redução do défice orçamental e da dívida pública. Só uma economia mais sofisticada poderá pagar melhores salários e ter condições de trabalho mais dignas, tanto para os trabalhadores do setor privado como do setor público.” (Portugal Inteiro, pág. 8)

Já a AD, quer promover como sua prioridade “uma Economia a crescer mais e a distribuir melhor, através de apoios sociais que não se constituam uma armadilha de pobreza, e assim promovendo coesão e harmonia social que potencie a riqueza intrínseca do país, e o ofereça como um sítio onde os jovens desejam viver”. (Mudança Segura, p. 173)

Se os fins tendem a convergir, os meios para os atingir são muito diferentes.

Por um lado, a AD está há 8 anos afastada do poder, quando deixou de comandar os destinos do país e se encontrava muito limitada para imprimir a sua política económica pelas imposições da troika, na sequência do programa de resgate financeiro. Neste sentido, é expectável que a AD tenha sentido a necessidade de apresentar um programa económico mais ambicioso – prevendo um crescimento da economia na ordem dos 3,4% em 2028 – , enquanto o PS prefere apostar mais na prudência, não indo além dos 2% na estimativa que apresenta.

De facto, o PS contabiliza 8 anos de governação, com uma diversidade assinalável de apoios parlamentares: desde uma “geringonça” no Parlamento, a uma maioria relativa apoiada pelos parceiros da Esquerda, até a uma maioria absoluta, surpreendentemente interrompida (ou desbaratada?) por suspeitas de corrupção.

Sobretudo, depois do notável percurso de estabilização das contas públicas que levou a cabo nestes anos, tendo, em 2023 e pela primeira vez desde 2009, colocado a dívida pública portuguesa abaixo dos 100% do PIB. Mais, segundo previsão do FMI, o défice de 2023 situa-se nos 0,2%, bastante abaixo dos 4,4% herdados do executivo de Pedro Passo Coelho.

É possível argumentar que, para atingir aqueles objetivos, os governos socialistas fizeram uso de instrumentos orçamentais – como as “cativações” – ou que amealharam muita receita fiscal através dos impostos indiretos (p.e. o IVA). De facto, é inegável o valor crescente da carga fiscal imposta durante estes anos pelos governos socialistas: de 34,4% do PIB (em 2015) para 38% (em 2023). No entanto, poucos terão dúvidas em reconhecer o impacto positivo que “a política de contas certas” dos últimos governos tem colhido junto dos mercados e dos parceiros internacionais.

Se as contas públicas parecem ir no bom caminho, também as exportações, com um peso de 41% do PIB à boleia do Turismo (9,5%), estão acima da média europeia. Já o investimento estrangeiro está aquém da média europeia, pesando pouco mais de 20% no PIB. Talvez o valor mais preocupante da nossa economia seja mesmo o da produtividade, já que este é já o 6.º ano consecutivo em que Portugal está a afundar no ranking da produtividade europeia. Pior, só mesmo a Grécia e a Eslováquia. Por estas e outras razões, o crescimento da economia afigura-se tímido e, se não fosse o PRR, seria mesmo preocupante. Segundo um estudo da FEP, entre 1999 e 2022, “o crescimento real do PIB [português] foi de apenas 0,9% em média anual, o 3º pior desempenho em 26 países com dados, face a 1,5% na UE”. Como afirmou o economista Ricardo Reis, numa entrevista dada ao jornal SOL (9/2/2024), “um país que não cresce há 20 anos é um país no qual as pessoas vão estar cada vez mais pobres”.

Para alcançar o tão almejado crescimento, a AD e o PS apresentam dois tipos diferentes de “choques” como estratégia fundamental. O debate do dia 19 de fevereiro entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro permitiu vislumbrar a diferença das duas estratégias, apesar de o ambiente hostil e desgovernado da conversa ter impedido o aprofundamento deste tema central.

De um lado, a AD propõe um “choque fiscal”, não para o Estado amealhar dinheiro, mas para dinamizar a economia. Reduzindo a taxa de IRS para 15%, pretende tornar o país mais atrativo para o investimento estrangeiro e aumentar a capacidade exportadora das empresas. Quanto ao IRS, a Aliança Democrática, aposta em: aliviar a carga tributária em todos os escalões até ao 8.º, fixar um máximo de 15% para os jovens até aos 35 anos; e isentar de IRS os “prémios de produtividade”. (Mudança Segura, p. 54)

Do outro lado, o PS pretende manter o ritmo de crescimento dos últimos anos. Sem abrir mão do troféu do equilíbrio das contas públicas, não embarca em “aventuras” fiscais, preferindo apostar num “choque de produtividade”. Para isto, pretende construir uma economia mais diversificada e sofisticada, selecionando os setores e as tecnologias onde haja competências científicas, tecnológicas e empresariais já instaladas. Através de um planeamento centralizado e consertado, o PS quer apostar em setores estratégicos para responder a problemas estruturais da economia. Quanto ao IRS, aposta na redução para a classe média e, para os restantes escalões, fica-se por um alívio ao ritmo da inflação. Já para as empresas, a única referência ao IRC no programa do PS é “reduzir em 20% as tributações autónomas sobre as viaturas das empresas” (Portugal Inteiro, p. 26).

Se em questões sociais e políticas a discrepância é maior (e provavelmente impeditiva de certos entendimentos), o modo de promover o crescimento económico acaba por agrupar naturalmente a esquerda e a direita.

Para os rendimentos das pessoas, à esquerda aposta-se, sobretudo, no desagravamento do IRS para as pessoas de menores rendimentos e classe média, enquanto a direita promete reduções transversais, com um menor peso na progressividade dos impostos, à medida que aumentam os rendimentos.

Para as empresas, a direita alinha-se com promessas de descida transversal da taxa do IRC e eliminação das derramas, já a esquerda opta pelo agravamento destas componentes do imposto para as empresas com mais lucros ou de maior dimensão, imprimindo também progressividade à tributação.

Por um lado, o Chega propõe recuperar os valores movimentados na economia paralela de forma a financiar o seu extenso programa de aumentos. Propõe duas taxas para o IRS: uma de 15%, até aos 39.999 euros, e outra de 30% a partir dos 40.000 euros, com isenção de IRS para quem recebe até 1.000 euros por mês. No IRC, a aposta vai para a introdução de uma taxa única de 18% para o território nacional. A Iniciativa Liberal é mais taxativa: quer eliminar taxas, contribuições e impostos adicionais para aumentar a competitividade fiscal do país, propondo taxa únicas de IRS (15%) e de IRC (12%), o que representa uma visão ainda mais ambiciosa do que a da AD em termos de choque fiscal com vista à promoção do crescimento económico.

Por outro lado, o Bloco de Esquerda é aqui destacado como representante dos restantes partidos à esquerda do PS e que está na pole-position para reeditar a Geringonça. Propõe a reestruturação da dívida pública para melhorar a balança de rendimentos e criar mais  um escalão do IRC, aumentando 7% a tributação às empresas com “lucros excessivos”. Pensando no consumo das famílias, defende a descida do IVA para 6% na eletricidade, gás e telecomunicações, a isenção de imposto para bens alimentares essenciais e a subida do IVA dos hotéis para a taxa máxima de 23%. Por fim, propõe trazer a progressividade dos impostos a cobrar às doações e heranças: de 16% entre um e dois milhões de euros, e de 25% para heranças acima de 2 milhões de euros.

Quanto à Ação Climática, a direita é mais omissa e a esquerda mais declarada, sem que nem a AD nem o PS se atrevam a propor aumentos de impostos sobre os combustíveis. Concretamente, a AD promete “cumprir com os objetivos da política climática e de transição energética da UE, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu”, apontando “a expansão de infraestruturas de carregamento para veículos elétricos e a hidrogénio nas cidades”. Já o PS vai mais longe ao propor “combater as alterações climáticas, reafirmar a liderança na redução de emissões e proteger o património natural e a biodiversidade.” Para isto, além de alargar a rede de carregamentos elétricos, promete “devolver 50% do IVA dos veículos elétricos ou híbridos plug-in até 40.000€ em sede de IRS, à semelhança do que acontece para as empresas”.

Neste panorama, impõe-se uma escolha fundamental no que respeita ao modelo de crescimento que queremos para o nosso país. Identifico três tensões que se devem manter vivas, reconhecendo que não há receitas mágicas para resolver os problemas de um país, mas cujo discernimento pode resultar em critérios decisivos na hora de votar:

 

Impostos: incentivar o mérito e/ou redistribuir a riqueza

A questão dos impostos é sensível para muita gente e pode ser decisiva para quem “vota com o bolso”. Basta pensarmos que muitos eleitores pagam em impostos quase metade do salário bruto que auferem. Por outro lado, com os sucessivos aumentos do salário mínimo, cuja taxa de variação entre 2015 e 2023 (62%, de 505€ para 820€) é mais do dobro do ritmo de crescimento do salário médio (28%, de 1179€ para 1.505€), são cada vez mais os portugueses que ganham tão pouco, que já nem impostos sobre o rendimento pagam.

Se a redistribuição é um dever do Estado Social é, também, uma exigência do Bem Comum, princípio da Doutrina Social da Igreja, que diz respeito a tudo o que possibilita o bem das pessoas todas e o bem da pessoa toda, ou seja, um desenvolvimento humano integral.

Se a redistribuição é um dever do Estado Social é, também, uma exigência do Bem Comum, princípio da Doutrina Social da Igreja, que diz respeito a tudo o que possibilita o bem das pessoas todas e o bem da pessoa toda, ou seja, um desenvolvimento humano integral. Mas será que o nivelamento por baixo, à custa de uma minoria tributada, representa desenvolvimento? É óbvio que o desenvolvimento humano não se esgota no crescimento económico, devendo incluir dimensões ecológicas, cívicas, relacionais e até espirituais do fenómeno humano. No entanto, desejar alcançar um desenvolvimento integral sem cuidar dos fundamentos do crescimento económico pode ser inconsequente. Mais, não será justamente a capacidade de gerar riqueza e crescer, que possibilitará às empresas gerar emprego, aumentar os salários, tornando robusto e sustentável o sistema de redistribuição da riqueza? Isto torna-se particularmente relevante no sentido de socorrer aqueles que precisam de apoios mais diretos e preferenciais: os pobres, cujo clamor, como nos lembra o Papa Francisco, é indissociável do “clamor da terra” (Laudato Si’, nº 49). Se a progressividade dos impostos é um princípio de equidade indiscutível, os incentivos à igualdade de oportunidades, à mobilidade social e ao mérito não podem ser desconsiderados.

Ricardo Reis, na mesma entrevista antes citada, defende que, para inverter o panorama de estagnação económico em que nos encontramos há mais de 20 anos, precisamos urgentemente de implementar reformas estruturais. Uma das cinco que refere passa por uma nova visão sobre a fiscalidade. Diz o economista que “impostos elevados num país pobre são sobretudo muito danosos para qualquer empresa ou indivíduo que tenha um sucesso relativo. Há muitos anos que, em Portugal, quem tem algum sucesso, por sorte ou por esforço, rapidamente são aprovadas taxas e impostos de forma a expropriar algum desse sucesso. Por exemplo, o alojamento local é uma indústria que teve algum sucesso e rapidamente achámos uma forma de o taxar.”

 

Inovação: flexibilizar o mercado e/ou planear a economia

Os mais elementares modelos de crescimento económico dão um especial ênfase à tecnologia e à inovação, como efeito catalisador do processo produtivo, seja no plano do trabalho, do capital ou até da sustentabilidade dos recursos naturais. Uma grande questão será perceber se, numa economia tão pequena e dependente do exterior como Portugal, compensa liberalizar a inovação, dando garantias ao risco a que os empreendedores se queiram sujeitar, ou se mais vale entendermos as apostas estratégicas como “missões” nacionais, devidamente debatidas, fundamentadas e consertadas.

Apela-se, neste caso, ao princípio cristão da Subsidiariedade, segundo o qual, numa perspectiva de entreajuda, se reconhece a importância da iniciativa individual e associativa, bem como o papel do Estado em garantir o bem comum. Preside a este princípio uma noção pragmática já que, tendencialmente, são os agentes mais próximos do fenómeno em questão aqueles que, em geral, estão mais capazes de decidir bem, e não tanto entidades coletivas superiores, sujeitas a burocracia e intermediação.

Neste sentido, outra das reformas estruturais que defende Reis é “aumentar a concorrência dentro do mercado interno e com isso estimular a eficiência”. Neste caso, o mais importante seriam as reformas que permitissem mais facilmente uma pessoa com uma boa ideia criar uma empresa, mesmo que ameaçasse as já existentes que estão protegidas por um conjunto de regulamentos. Portugal continua a ter muita regulamentação que favorece os incumbentes porque sabem lidar com essa regulação.”

 

Contas públicas: qualidade dos serviços e/ou confiança dos mercados

Por fim, a atual circunstância política revela-se curiosa, no sentido em que aqueles que outrora tiveram a fama (mas não o proveito) de ser “bons alunos” hoje criticam os que não prescindem do equilíbrio das “contas certas”. Por um lado, é inegável o impacto, em termos de investimento estrangeiro e prestígio internacional, da melhoria de indicadores como o Rating (risco da dívida portuguesa) para “A-” (em 2023), colocando o país no patamar das notações “A” (A-/A/A+) pela primeira vez desde 2011. Por outro lado, pode causar alguma estranheza como é que tal performance não se reflete na qualidade dos serviços públicos que, efetivamente, têm piorado devido ao claro desinvestimento registado. Basta pensar na Saúde que tem sido um dos temas fundamentais dos debates e da campanha eleitoral. Estamos perante uma situação potencialmente dramática, descrita de forma eloquente pelos comentadores do programa “É ou não é” (6/2/2024): “falta de médicos de família”, “urgências fechadas”, “concursos que não se preenchem”, “dificuldades de contratação”, “reivindicações salariais”, “contestação generalizada”.

Será que a única forma de o Estado oferecer serviços públicos essenciais de qualidade é sacrificar as contas públicas? Não haverá outras alternativas, como por exemplo contratualizar, em caso de vantagem para ambas as partes, com o setor privado e social, tomando-os como aliados e não como concorrentes? Não terão os cidadãos direito a um serviço de qualidade na Saúde ou na Educação, independentemente das quezílias ideológicas, que faça jus à Dignidade da Pessoa Humana? Na verdade, o valor cristão do Destino Universal dos Bens diz que “todos devem ter a possibilidade de usufruir do bem-estar necessário ao seu pleno desenvolvimento”.

Em relação a este dilema, Ricardo Reis sugere uma última reforma estrutural, aplicável ao nível das mentalidades: “sermos um país em que nos podemos ajustar de forma flexível aos novos desafios, em que em busca do lucro ou do bem-estar conseguimos responder a esses desafios de uma forma ágil e, ao fazê-lo, trazemos prosperidade a todos os portugueses.”

A meta é comum, o caminho para a atingir tem de ser escolhido. Vendo a realidade com as suas potencialidades e contradições, julgando-a com os critérios perenes do Evangelho, somos chamados, como cristãos, a agir em consciência.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.