Ser professor

Podemos perguntar-nos o que faz um professor ser bom professor. Para além das suas competências pedagógicas e científicas, que características pessoais e interpessoais definem um bom professor?

O papel do professor nas aprendizagens dos seus alunos está claramente bem evidenciado em estudos não só internacionais, como nacionais. Recentemente (i.e., em junho de 2021), foi publicado pela EDULOG – Fundação Belmiro de Azevedo, um estudo com professores de língua portuguesa e da matemática da rede pública (2º e 3º ciclos e secundário), no qual se calculou o Valor Acrescentado do Professor (VAP) que, segundo a mesma fonte “corresponde à aprendizagem média dos alunos por ele ensinados, medida pela evolução dos seus resultados em provas universais e comparáveis realizadas antes e depois da exposição dos alunos a esse professor”, controlando o peso do background do aluno e de variáveis da escola. De uma forma sucinta, verifica-se que um bom professor tem um impacto no sucesso e no insucesso dos seus alunos; por outras palavras, um professor com um elevado valor acrescentado (VA) tem a capacidade de reduzir a percentagem de alunos com nota negativa e de contribuir para um aumento de notas de nível 5. A formação inicial, a formação profissional contínua e a supervisão, são, assim, alguns dos aspetos fundamentais que promovem um maior valor acrescentado. Algumas experiências internacionais mostram, ainda, o impacto positivo de um professor Tutor – mais velho, que acompanhe e apoie, e que apresente, já por si, um bom valor acrescentado – no percurso a médio prazo de um professor mais novo que, em virtude da sua ainda inexperiência poderá ter, à partida um menor VA.

Abordar a qualidade do ensino é, pois, inegável. Não descurando a informação explicitada, podemos ainda perguntar-nos o que faz um professor ser bom professor. Para além das suas competências pedagógicas e científicas, que características pessoais e interpessoais definem um bom professor? Em algumas pesquisas nas quais se pergunta às crianças e jovens sobre esta matéria, facilmente se identificam alguns aspectos chave: o desenvolvimento de uma boa relação com os seus alunos; estar disponível; ser acessível, compreensivo e tolerante; motivar; cativar. E cativar é muitas vezes o ponto de partida, o ingrediente que permite gerar curiosidade, atribuir significados positivos à escola, num tempo em que a escola corre atrás do ritmo acelerado de um mundo em constante mudança. Na verdade, tal como a raposa nos ensina, no seu delicioso diálogo com o Principezinho (no livro de Antoine Saint-Exupéry), “a gente só conhece bem as coisas que cativou”, e para cativar é preciso ser paciente, estar disponível, não ter pressa, estar orientado para cada aluno.

E cativar é muitas vezes o ponto de partida, o ingrediente que permite gerar curiosidade, atribuir significados positivos à escola, num tempo em que a escola corre atrás do ritmo acelerado de um mundo em constante mudança.

Mas que variáveis podem interferir no nosso bem-estar e na saúde geral que fazem com que não se consiga ter a energia para cativar? Raramente nas escolas se discute e reflete abertamente sobre a saúde mental dos professores. Não obstante, a pandemia tenha vindo agravar a saúde mental, não só dos professores como de muitos outros profissionais. Um estudo canadiano de 2020 que envolveu mais de 14 000 professores, alerta-nos para o facto dos professores experienciarem, por si só, mais stress, depressão e burnout ou “esgotamento profissional” (i.e., 1 em cada 5 professores reporta exaustão emocional, sentimentos negativos para com o trabalho, redução da eficácia profissional), quando comparados com outros profissionais cuja função é cuidar. São várias as variáveis que são salientadas como interferindo neste processo – a instabilidade e insatisfação profissionais, a exigência e responsabilidade inerentes à profissão (p. ex., realização de tarefas administrativas para além das científicas e pedagógicas, inserção das escolas em comunidades desafiantes, guiar de uma forma cabal os processos de aprendizagem dos alunos com implicações para o futuro profissional dos mesmos) –, refletindo-se depois nas faltas ou baixas médicas dos professores. Por outro lado, nem sempre se aposta numa literacia ligada à saúde psicológica, existindo, simultaneamente, e ainda, um estigma social ligado a estas questões.

A Organização Mundial de Saúde tem vindo, há já vários anos, defender a importância da implementação de programas preventivos que promovam as capacidades das pessoas, atuando antes que os sintomas se manifestem; apoiar ações que incluam estratégias para a diminuição do estigma, preconizando a partilha de boas práticas, que deve ocorrer após a avaliação das mesmas, e que conduzam à criação e disseminação de programas baseados nas experiências avaliadas. Uma experiência no Brasil dá conta da criação, em contexto escolar, de uma Comissão Interna de Qualidade de Vida, sendo esta responsável pelo planeamento de ações de promoção da saúde psicológica e geral. Em Portugal, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) tem procurado promover o programa EscolaSaudávelmente¸ que pretende a criação de respostas integradas de promoção de uma melhor saúde psicológica não só dos alunos, mas também dos agentes educativos, em contextos escolares. De uma forma mais alargada, a OPP irá participar na campanha Healthy Workplaces Manage Stress, da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, ao mesmo tempo que lançou, por estes dias, a candidatura ao prémio Healthy Workplaces – Locais de Trabalho Saudáveis 2022.

(…) a pandemia tenha vindo agravar a saúde mental, não só dos professores como de muitos outros profissionais.

Mas de que falamos quando falamos de saúde psicológica? Segundo a Organização Mundial de Saúde, a saúde psicológica é definida como um estado de bem-estar que permite que as pessoas tenham a capacidade de lidar com o stress do dia a dia, nos seus diferentes contextos. Diz respeito à forma como as pessoas pensam, sentem e avaliam as situações com as quais se deparam, e ao modo como se relacionam com os outros e tomam decisões, de forma mais confiante e eficaz. A escola deve por isso, oferecer oportunidades aos seus professores de avaliar a sua saúde mental e de implementar estratégias que procurem potenciar a saúde psicológica dos seus profissionais.

O professor é uma peça chave na construção de cidadãos, em particular, e de sociedades, em geral e o mesmo não se pode distanciar desse papel, não obstante a importância de outros agentes (por ex., famílias, educadores informais) ao logo deste processo. Importa por isso não esquecer a necessidade de cuidar de quem cuida, criar as condições para que as escolas sejam espaços saudáveis numa perspetiva global, com todos e para todos.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.