Retratos de uma Igreja

O que dizem alguns católicos contemporâneos sobre a experiência de Igreja? Como imaginam a Igreja "ideal"? Um texto despretensioso com retratos simples e, certamente, tão frequentes.

“O lugar capaz de vencer a solidão dos tempos modernos”. A frase é da Maria, a quem pedi que me descrevesse a sua Igreja ideal e ficou a ecoar-me na cabeça durante os dias seguintes, curiosamente – ou não – povoados por notícias de suicídios de celebridades como Kate Spade ou Anthony Bourdain. Sinais do tempos, que se juntam aos números assustadores de pessoas que dizem sentir-se sós (1), que enfrentam doenças mentais, que estão deprimidas e esgotadas, medicadas e tantas vezes desamparadas.

Na semana passada, durante a celebração dominical, ouvi o pedido do sacerdote à comunidade paroquial no final da sua reflexão sobre o Evangelho: “saibamos ser família, porque é isso a Igreja”.

A Ana afastou-se da Igreja, da comunidade paroquial em que estava integrada, de Deus, nos últimos anos, devido “a uma crise de fé mal resolvida”. E lamenta que a sua paróquia seja “demasiado elitista, que afaste as pessoas” e que não se tenha sabido adaptar às mudanças que os tempos pedem. A Erica foi-se sentindo mais longe “por uma questão logística” e por não achar que os casais jovens, com filhos, sejam particularmente bem acolhidos, pelo menos nas paróquias que conhece.

A Marta, por seu lado, acha que há uma responsabilidade de parte a parte no seu processo gradual de afastamento. Entre os horários das celebrações que são pouco amigos das famílias até à sua própria falta de vontade para fazer um esforço adicional, tudo conta.

Quando comecei a ler as respostas que me foram chegando do grupo de pessoas que pedi que partilhassem comigo a sua experiência, o quadro não foi claro: há, em Lisboa, quem viva em paróquias inclusivas, que usam as redes sociais para chegar junto de todos, que têm celebrações em horários adaptados aos tempos que correm, que acolhem e ouvem a comunidade. Mas há, na mesma Lisboa, paróquias que não estão a conseguir acompanhar as necessidades dos mais jovens. Paróquias onde é difícil seguir os horários das confissões, onde os celebrantes interrompem cânticos e homilias porque as crianças, que queremos chamar à Igreja, estão a fazer mais barulho do que é suposto, o que inibe os pais de voltar às celebrações.

O cenário pode ser transposto para a província, onde o Pedro sente que a mudança de prior acabou por provocar uma onda de choque e de desalento. “Pertenci a uma geração que era muito ativa na igreja, nos meus tempos de juventude, e também tivemos um padre de referência que nos guiava, apoiava e acompanhava nas atividades”. Hoje participa nas celebrações, tem a sua fé bem cimentada, mas deixou de ser catequista, animador juvenil, escuteiro ou acólito, como antes. Já a Ana, que vive mais a sul, integrou-se com a família numa paróquia que a acolheu de braços abertos e onde se sente em casa, envolvendo-se em várias atividades. Onde a solidão foi capaz de vencer.

A Catarina, de uma paróquia do centro de Lisboa, acredita que a Igreja consegue ser “local de acolhimento para namorados, solteiros, viúvos, e muito mais. Temos só que procurar, e estarmos predispostos e sair da nossa zona de conforto. Se a nossa Paróquia não tiver o que estamos à procura, temos que ir descobrir noutra Paróquia ou dinamizar na nossa. Fazer parte de um grupo que se reúna com alguma regularidade faz-me muito bem, e aconselho a todos a fazerem-no”.

Houve uma primeira opinião consensual, em todas as mensagens trocadas: o Papa Francisco veio mudar a forma como se olha para a instituição Igreja, denotando um esforço para se fazer mais próximo. “No seu pontificado nada foi alterado do ponto de vista da doutrina, mas a forma está diferente”, defende Maria. Um outro exemplo desta mudança “é o facto de o Papa ter uma conta no Twitter e através desta rede social difundir mensagens de forma imediata para tantos cantos do mundo”, lembra Teresa.

No entanto, o esforço não pode vir só de um lado, defende Maria. “Por vezes, critica-se a Igreja por não ser suficientemente inclusiva, mas creio que o fiel que pretende aproximar-se ou reaproximar-se também tem de fazer um esforço nesse sentido e às vezes as pessoas não estão disponíveis para esse trabalho. Não acredito totalmente numa Igreja que muda para se adaptar às pessoas, mas acredito que as pessoas, indo buscar força à sua fé, têm de se adaptar também à Igreja. Tem de haver um esforço mútuo”.

Era, possivelmente, deste esforço de que falava o Pe. Natanael na calebração da semana passada. “Sejamos família, que aos domingos se reúne aqui para se unir à família do céu”, dizia, em jeito de conclusão às palavras de São Marcos: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã, minha mãe”. Porque é na família que se encontra consolo, colo, descanso, coragem, forças. É na família que se confia, é nela que tudo se torna fácil. E porque é família que, afinal, todos querem que seja esta Igreja. Que somos nós.

[Partilho convosco as respostas que me chegaram quando perguntei “Qual é a tua Igreja ideal?”]

“A minha Igreja ideal é integradora e próxima dos fiéis. Com serviços que promovam a proximidade com a população, com uma forte vertente de apoio sócio-caritativo e que seja exemplo para todos de um amor incondicional a Deus e ao próximo”.

“Uma igreja jovem, atual, feliz e serena, que não coloca entraves às pessoas que nela querem participar”.

“Uma Igreja que respeite verdadeiramente os valores que Cristo nos deixou, no seu exemplo. Que promova a paz, a verdade e o amor. Que saiba acolher a diferença, seja tolerante e aberta. Que veja no diálogo uma oportunidade de aprofundamento da fé, de conhecimento e cultura. Que aceite outros credos, outras religiões. Que seja capaz de se adaptar sem perder os seus valores fundamentais. Que seja um local onde todos se sintam bem, crentes ou não crentes. Que contribua de forma decisiva para a resolução dos grandes problemas do nosso tempo e do nosso mundo”.

“Uma Igreja onde haja tolerância, e não hipocrisia, onde se viva e espelhe a verdadeira mensagem de Cristo”.

“Uma igreja com atividades divulgadas a todos, uma igreja inclusiva”.

“Para mim, a Igreja ideal é aquela em que todos percebem que a Igreja somos nós. Não é uma instituição pesada onde o poder de decisão é inatingível. A Igreja ideal é a do dia-a-dia, onde vamos à missa, rezamos, onde grupos de amigos, intelectuais, curiosos se juntam. É o somatório de tudo o que nós pessoas comuns, fazemos no nosso dia-a-dia, da maneira como vivemos, da forma como estamos abertos aos outros, das respostas que damos quando somos interpelados. A Igreja ideal é aquela onde podemos ir sempre que precisamos, e em simultâneo transportável para todos os sítios que queiramos”.

“Uma igreja que faz a diferença na comunidade, em que a fé não é só uma questão de verdade ou doutrina, grandes exercícios teológicos, mas de evangelização pelo testemunho e pela simplicidade”.

E a vossa, a nossa Igreja ideal, qual é?

 

(1) https://pontosj.pt/opiniao/importa-saber-estar-so/

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.